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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Legado de Liam Neeson em novas telas

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Rodrigo Fonseca Numa ida ao Kinoplex Nova América para conferir o delicioso longa russo de horror "A Viúva das Sombras", o P de Pop se deparou com um poster de "Na Mira do Perigo" ("The Marksman" no original), o novo trabalho de Liam Neeson como protagonista, que se mostra imbatível nas bilheterias americanas, onde segue em cartaz desde 15 de janeiro. Na trama, o veterano astro irlandês é um fazendeiro na fronteira do Arizona que se torna o improvável defensor de um jovem mexicano. O rapaz foge desesperadamente dos assassinos do cartel que o perseguiram até os EUA e só o velho rancheiro, armado até os dentes, pode ajudá-lo. É o segundo sucesso seguido do ator desde que a pandemia começou. O primeiro êxito dele, "Legado Explosivo" ("Honest Thief"), ainda está em circuito comercial no Brasil, mas acaba de entrar pra streaminguesfera, nas plataformas iTunes, Google Play, Youtube, Net Now, Vivo Play e Sky Play.

Com ele, abrimos uma reflexão sobre o mais patrulhado de todos os gêneros, sobretudo por correntes ideológicas que confundem transcendência estética com sociologia: o cinema de ação. Esse filão viu seu panteão de estrelas e os seus códigos narrativos serem esvaziado pelo politicamente correto ao longo dos anos 1990 para cá, substituindo o que nele havia de épico pelo patético da comédia e rejuvenescendo, ao nível da infantilização, seus protagonistas. Quando o último dos heróis anciões dessa linhagem, Charles Bronson, morreu, em 2003, acreditou-se que a perspectiva de um vigilantismo maduro, de cabelos grisalhos - e, por isso mesmo, aberto a autocríticas - estaria extinto para sempre, sobrevivendo apenas das iniciativas de Sylvester Stallone - o midas dessa seara - em juntar os mestres aposentados do passado na franquia "Os Mercenários" (2010-2014).

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Clint Eastwood que era também um vetusto herói pendeu mais para a direção. Will Smith, Vin Diesel, Charlize Theron e The Rock conjugaram com maestria os verbos do thriller, porém sempre seguindo uma linha mais próxima da aventura, do drama político e do family film do que das convenções OMACs (One Man Army Combat), ou seja, "exércitos de uma pessoa só" dos anos 1970 e 80. Nisso só dois astros brilharam, curiosamente ambos dublados, no Brasil, pela mesma voz (a do brilhante ator paulista Armando Tiraboschi): Jason Statham e Liam Neeson. O primeiro enveredou mais por uma linha B, de filmes graficamente explícitos no sangue e na quebra de ossos, qual "Carga Explosiva" (2002), numa reinvenção da fórmula do guerreiro imparável, como os ronins (samurais sem mestre) de Akira Kurosawa. Mas Neeson, não. Filmes de eficiência comercial (e artística) inquestionável, como o eficaz "Legado Explosivo", comprovam que esse dínamo de 68 anos não só assumiu o posto de Bronson - de ser o justiceiro com rugas no rosto - como humanizou esse arquétipo do vigilante experiente, tridimensionalizando papéis antes representados de modo raso, resumidos a suas jornadas. O ladrão arrependido Tom Dolan, vivido por ele na principal estreia deste início de 2021 no Brasil, transborda dilemas existenciais, sem deixar que essa transpiração de conflitos dilua a adrenalina que rega a intriga na qual foi inserido. No caso, Dolan é um ás de roubo de bancos que decide se entregar depois de se regenerar ao longo de sua convivência com a namorada, Annie (Kate Walsh, precisa em cena). Mas os dois agentes corruptos do FBI a quem ele se confessa - Hall, vivido por Anthony Ramos, e o crudelíssimo Niven, que Jai Courtney interpreta com faca nos dentes - não ligam para seu arrependimento e, sim, em embolsar os milhões que ele planejava devolver. A traição deles deflagra uma série de fugas e perseguições que o prolífico roteirista e sazonal diretor Mark Williams (de "Um Homem de Família") conduz de maneira bem azeitada, na fricção certa, em tensão crescente.

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Neeson passou a aceitar Dolans em série a partir de 2008, quando Luc Besson produziu "Busca Implacável" ("Taken"), um thriller de US$ 25 milhões (ninharia para um filme da Fox), dirigido pelo francês Pierre Morel, que, ao ser lançado nos EUA, em 2009, faturou US$ 145 milhões só por lá. Ao todo, sua receita chegou a US$ 226 milhões, inspirando mais duas sequências e uma série no Amazon Prime. Na sequência veio o ótimo "Desconhecido" (2011), do espanhol Jaume Collet-Serra, de quem virou ator fetiche. Desde então, chove oferta para Neeson exercitar uma verve heroica talhada em anos e anos de palco, com Tchekov. E essa chuva vem graças ao bom resultado de bilheteria que ele tem. "Legado Explosivo" estreou nos Estados Unidos e na Europa no período mais crônico do circuito exibidor, em 2020, por conta da pandemia e ficou quase um mês entre os títulos mais vistos, faturando cerca de US$ 31 milhões. É uma prova de um carisma que deu a um gênero vilipendiado um sopro extra de vida... e de humanismo. Um carisma que se reproduz nas cópias dubladas por aqui, com o show de vitalidade impresso por Tiraboschi a cada fala.

p.s.: A performer e pesquisadora Ciane Fernandes encerra o ciclo virtual de palestras gratuitas "Lab Corpo Palavra" nesta quinta-feira, dia 11/03. Autora de várias publicações, palestras performativas e imersões no Brasil e no exterior, a artista se dedica hoje à pesquisa do diálogo entre estética e terapia. Haverá também, nos dias 10 e 13 de março, debates com profissionais que participaram com vivências dentro do percurso do Laboratório Corpo Palavra, ministrado por Aline Bernardi. Na quarta-feira, às 19h, participam Soraya Jorge, Lidia e Ruth Torralba. No sábado, às 10h, será a vez de Ana Paula Bouzas e Pedro Sá Moraes. Os encontros são realizados no canal do Youtube do Celeiro Moebius (https://bit.ly/3q9zULp).

p.s.2: Nesta sexta, na França, tem a entrega do troféu César e o filme com mais indicações (no caso, 13) é "Les choses qu'on dit, les choses qu'on fait", de Emmanuel Mouret.

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