PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Leandro Hassum prova (de novo) ser um dos maiores atores do Brasil

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Valente (Leandro Hassum, majestoso) e Emma (Manuela Kfouri) em "Não Se Aceitam Devoluções": dia 31 nas telas  Foto: Estadão

Rodrigo FonsecaHá uns 12, 13 anos, Leandro Hassum dividiu uma mesa de debates - na TV Brasil - com um mito da chanchada dos anos 1950 e 60, Ankito (1924-2009) defendendo o valor do humor de bordão, usado no Zorra Total da época, com paixão tão grande que fez o veterano comediante tocar no ombro do colega mais jovem com admiração, dizendo: "Bravo, palhaço!". Eram dias de televisão e teatro para Hassum, antes de sua transformação no mais rentável ator de nosso cinema, entre 2012 e 2016. Eram dias em que ainda se lembravam dele como ator teatral com tato para o risco, tendo brilhado em Aracy de Almeida no País de Araca (de 2001, com ele no papel da própria cantora) e se virado em várias figuras no musical Orlando Silva, o Cantor das Multidões (2004). Com o sucesso da franquia Até Que a Sorte Nos Separe (2012-2015), seu posto passou a ser o de midas do humor, lotando salas de exibição com variações dignas de PA (progressão aritmética) e PG (progressão geométrica) de seu ilimitado ferramental gestual. Só que o velho Leandro, o dos palcos, o de Aracy, com seu diapasão dramático, nunca saiu dele. É o que fica de saldo do saboroso Não Se Aceitam Devoluções, um documento imprescindível da evolução de um dos poucos astros do audiovisual (no mundo) hoje cujo nome é uma certeza de bilheterias fartas. Estreia dia 31 de maio. É o melhor trabalho de sua carreira, de longe, pelo esforço de expandir sua dramaturgia para além dos limites da gargalhada, num enredo sobre o ônus e o bônus da paternidade, baseado no fenômeno mexicano Não Aceitamos Devoluções, de Eugenio Derbez.

PUBLICIDADE

Com uma direção de arte delicadíssima, sobretudo no uso almodovariano das cores, o novo longa-metragem da Total Filmes é a segunda adaptação para outras línguas do sucesso de Derbez: antes veio Uma Família de Dois (2016), da França, com Omar Sy. A premissa dele e da dramédia com Hassum é a mesma, sendo a nossa mais triste, num ato de coragem do diretor (e músico) André Moraes, preciso na alternância agridoce entre prantos e esgares. Ele teve o Zhang Yimou do Brasil, Hsu Chen, como diretor assistente, alcançando alquimia harmônica, que vira ouro sempre que Hassum improvisa gags ou dá rubricas jocosas aos diálogos. E há uns picos de galhofa quando Zéu Britto entra em cena como um amigo do Guarujá.  Alternando-se entre os espinhos e as pétalas da rosa do amor paterno, Como Se Aceitam Devoluções é um Kramer vs. Kramer sabor rolinho primavera: usa-se até a cartilha judicial das tramas de tribunal para temperar sua dimensão de folhetim. Valente, seu protagonista, dá a Hassum uma gradação de sentimentos que vão da apatia ao desamparo. Malandro sem eira nem beira do Guarujá, ele é obrigado a criar um bebê depois que a mãe (Laura Ramos) deixa a menininha em seus braços alegando que ela é filha dele. Toda a sorte de apuros vai se passar com Valente, testando sua coragem, a fim de que ele crie a garota (Manuel Kfouri). Mas, como o Melodrama é um moleque travesso, ele vai aprontar das suas e trazer a mãe da guria de volta, a exigir a guarda da criança pra si.

Hassum em dobradinha com o ótimo Jarbas Homem de Mello: lucidez  Foto: Estadão

Toda virada preserva um espaço para o riso, pelo menos nos espaços em que a dor não alcança esta história sobre o medo da perda. Hassum aqui dribla fórmulas, dribla saídas fáceis, dribla a própria persona que criou pra si, num trabalho de ator-autor. O corpanzil de sua fase GG do passado deu lugar ainda uma silhueta esquálida por fora, mas obesa de comicidade e de surpresas por dentro, sobretudo nas cenas compartilhadas com Jarbas Homem de Mello, um dos maiores talentos de nossos palcos (vide Chaplin e Cabaret) ainda pouco usado no cinema. Ele é o empresário de Valente: um lampejo de lucidez na vida deste pai apaixonado. Valente é príncipe no reino da fantasia das famílias improvisadas do presente. O que André Moraes faz com Hassum a partir do original de Derbez é abrir uma reflexão sobre as novas composições de clã que temos hoje, rascunhando um potencial blockbuster a partir do desejo de reinvenção de um de nossos melhores atores em atividade nas telas. Para sintetizar o que Hassum significa para o nosso cinema, talvez fosse o caso de pedir licença aos anjos e dizer: "Bravo, palhaço!". Segue em frente...

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.