Foto do(a) blog

De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Laurent Cantet entre os muros da 'cancel culture'

PUBLICIDADE

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
O jovem Karim D. (Rabah Nait Oufella) dá autógrafos sem prever o risco que vai correr em "Arthur Rambo", na disputa pela Concha de Ouro de 2021 Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Ganhador da Palma de Ouro, em 2008, com "Entre os Muros da Escola", Laurent Cantet é o mais potente dos realizadores da França na dimensão sociológica do cinema europeu, com o diferencial de ser aquele que mais (e melhor) compreende e reflete a juventude de seu país em seus filmes, como comprova o enervante (e obrigatório) "Arthur Rambo". Nada do que se viu na competição pela Concha de Ouro do 69º Festival de San Sebastián, até agora, tem uma contundência à altura da que ele alcança em um estudo sobre a cultura do cancelamento. De um domínio espartano das ferramentas narrativas da tensão, o longa acompanha o ódio que as redes sociais passam a destilar, da noite para o dia, contra um escritor best-seller de origem argelina depois que uma série de tweets postados por ele, quando mais moço, espalham-se pela web. Rabah Nait Oufella vive o protagonista, Karim D. No auge de seu sucesso, com um livre baseado no cotidiano de sua mãe, uma imigrante, o rapaz passa a ser rejeitado por todos que lhe paparicavam depois do vazamento de seus escritos sob o pseudônimo de Rambo. Pra atrair curtidas, ele era agressivo em suas postagens, atacando judeus e a comunidade gay, praticando gordofobia e sendo machista. Mas a retaliação que sofre por essas ideias nada empáticas será das mais brutais. Cantet parte desse mote para debater o linchamento virtual. "Queria muito entender as redes sociais numa dinâmica que tenta igualar a todos, seja um jogador de futebol ou um presidente, a partir da medida que o diferencial de uma pessoa, nesse ambiente, não é seu caráter, mas, sim, seu número de seguidores. E o insulto tem se mostrado a política mais bem-sucedida para se alcançar followers. Há uma fratura nisso", diz Cantet ao P de Pop, num papo em San Sebastián, onde lembrou sua passagem pela Festa Literária das Periferias (FLUP), no Rio de Janeiro, em 2017. "A literatura ainda é um dos mais fortes caminhos de um jovem atrair a mirada do mundo para suas angústias".

Cantet e sua equipe em San Sebastián Foto: Estadão

Segunda é dia de San Sebastián conferir o regresso às telas da peruana Claudia Llosa, que ganhou o Urso de Ouro, em 2009, por "A Teta Assustada". Ela regressa com "Distancia de Rescate", uma releitura da literatura de Samanta Schweblin, mesclando narrativas de fantasmas à história do calvário de uma mulher. De sábado até hoje, o longa brasileiro "Madalena", de Madiano Marcheti, arrebanhou uma legião de fãs espanhóis com sua reflexão sobre a violência ao universo LGBTQI+. Orçado em R$ 1,9 milhão, com investimento único do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e apoio local do Governo do Mato Grosso do Sul, este silencioso drama com tintas de suspense foi rodado em Dourados e Bonito, em novembro e dezembro de 2018. Sua trama incorpora o esplendor natural de sua "arena" dramatúrgica desde a primeira sequência, onde a beleza contrasta com a violência: o corpo de uma mulher trans foi encontrado em campos de soja. Mais adiante, o espírito dela parece flanar por aquela geografia verde, numa representação metafísica do horror diante da transfobia. Embalada por uma onipresente sensação de tensão, nunca taquicárdica, mas viva, a narrativa se constrói a partir de uma figura ausente: é a descoberta do cadáver de Madalena que detona a inquietação dos três protagonistas, Luziane (Natália Mazarim), Bianca (Pamella Yule) e Cristiano (Rafael de Bona), que não têm conexões entre si, egressos de realidades socioculturais diferentes. "Uma jornalista trans nos disse que ficou indignada, a princípio, por nossa opção estética de não mostrarmos a identidade de quem assassinou Madalena, mas entendeu nossa opção em não apostar numa abordagem policial, investigativa e, sim, discutir por que permitimos que os transfóbicos continuem a apartecer", disse Madiano ao Estadão, num papo em San Sebastián. San Sebastián chega ao fim neste sábado, com a entrega de prêmios.

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.