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'Judy': um arco-íris chamado Luciana Braga

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Luciana Braga e Flávio Marinho na leitura de "Judy - O Arco-Íris é Aqui", no Teatro Prudential - em foto de Cristina Granato Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Entre comentários sobre a caspa de Shirley Temple (1928-2014) e aforismos capazes de fazer tremer bigodes nietzschianos ("O amor nem sempre é o bastante"), a peça "Judy - O Arco-Íris é Aqui" vai entrar em cartaz nos palcos do Rio de Janeiro em meados do ano, ali por junho, sintonizada com os cem anos de Judy Garland (1922-1969), preparada para fazer chorar o mais empedernido dos corações no esmeril da saudade. Esmeril esse onde Flávio Marinho afia a navalha de uma das obras que se torna cada vez mais sólida, no teatro brasileiro, em sua observação sobre a resignação, a resiliência e a resistência. A frase "Sempre tem um mas", dita aos 45 minutos do segundo tempo de uma partida espartana contra o Tempo... essa máquina de fazer monstros, que, no entanto, na caixa cênica do Teatro, parece não correr pelas convenções do ponteiro... assina a autoralidade desse dramaturgo. Seus textos sempre olham para instituições, sejam elas a família ("Irmãozinho Querido"), a arte ("Cauby, Uma Paixão") ou o dia a dia ("Abalou Bangu"), buscando senões. O "senão" na trajetória de Judy vem da desmesura, ora da própria menina que acalantou o mundo em "O Mágico de Oz" (1939), ora do viver, esse danado. Marinho bebe da fonte de Jean Anouilh (1910-1987), autor francês, a máxima de que: "Existe o amor, é fato; mas existe, a vida, sua inimiga". Essa é a Judy que Marinho nos dá, ao retomar uma parceria com a atriz de seu seminal "Um Caminho Para Dois" (2005). Uma atriz em erupção vulcânica que se chama Luciana Braga. O que os dois fazem não é mimese. Não é jogo de imitação. Em uma leitura aberta ao público no Teatro Prudential, na Glória, na última quarta, dia 16 de março, percebeu-se que o par - em coautoria, em simbiose - alcança um transbordamento em algo que se propõe a ser não uma aproximação mimética de La Garland, como fez (belamente) Renée Zellweger em "Judy: Muito Além do Arco-Íris" (2019). É sim, uma conversação com um mito do audiovisual. Conversação essa que desnuda imperativos, separando loba, rainha e mulher, desnudando a coroa e deixando exposta uma humanidade em seu estado mais cru. Na ouriversaria da palavra, Marinho monta um puzzle de biografia primoroso, conjugando fatos de maneira poética, sem didatismos, levando a plateia a acompanhar a ascensão e o ocaso de uma diva. Na ouriversaria da interpretação, Luciana - cantando para além do diafragma, numa orquestra em que rins, fígado e pâncreas viram seus sabiás - faz uma inteligente imolação de si, empregando suas próprias vivências. Ela fala de seu devir Luciana, de seu percurso, de seus acertos, dos quebra-molas, das filhas, do Céu, da Lua e do ardor juvenil pelo ator Marcos Paulo (1951-2012), buscando uma identificação frontal com o público. É uma forma de mostrar que aquele espetáculo possui uma dimensão "vida de artista", com todas as suas durezas, todo o seu fel, toda a sua inconstância, mas todo o seu júbilo. Como se deu com Judy. Luciana só não entra num detalhe essencial: o fato de que lá atrás... em 1993, quando o miocárdio do Brasil estava nas mãos da novela "Renascer", cansado de ver o coitado do João Pedro (Marcos Palmeira) apanhar de Mariana (Adriana Esteves), ao som de Adriana Calcanhoto, ela chegou àquele folhetim, toda pimpona, vestida de Sandra, como brisa, para desafiar um furacão de desamor, e deu alento romântico a um país desarvorado, sem norte. Mas não precisa falar nisso. Isso está somewhere over the rainbow. O mesmo arco-íris que reluz quando Marinho e ela trançam a história de Judy com as lutas dos movimentos LGBTQI+, num movimento ético que faz dessa (ainda quase) peça, que estreia já, já, a maior diversão. Importante lembrar a presença de Liliane Secco, ao piano, regendo a festa de Judy, numa reverência ao Sagrado do Cinema.

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