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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Ilusões Perdidas' dispara nas indicações ao César

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Vincent Lacoste é um ás da notícia na releitura de Giannoli do universo de Balzac Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Não dá para entender que razão justifica o fato de "Titane", a Palma de Ouro de 2021, previsto para estrear no Brasil nesta sexta-feira, via MUBI, não lidera a lista do troféu César o Oscar da França, que teve suas indicações divulgadas nesta quarta-feira, com cerimônia agendada para 25 de fevereiro. Por sorte, o líder de indicações, "Ilusões Perdidas", de Xavier Giannoli, que sai disparado na dianteira da premiação, brigando em 15 frentes, é um filme monumental. Em sua cola estão "Annette", de Leos Carax (com onze indicações); "Aline", de Valérie Lemercier (com dez); o fenômeno de bilheteria "BAC Nord: Sob Pressão", de Cédric Jimenez (com sete); "A Fratura", de Catherine Corsini (com seis) e "Caixa Preta", de Yann Gozlan, e "Les Olympiades", de Jacques Audiard (empatam, com cinco cada). Vale lembrar que a estatueta é entregue desde 1976 pela Académie des Arts et Techniques du Cinéma, nos mesmos moldes da Academia de Hollywood. Trata-se de um troféu de bronze estimado em cerca de EUR 1,5 mil, batizado com o nome de seu escultor, César Baldaccini (1921-1998), artesão do Nouveau Réalisme europeu. Apesar da esnobada que deram "Titane", por conta da polêmica provocada por sua trama (é a saga de uma psicopata que engravida de um carro), pelo menos indicaram sua realizadora, Julia Ducournau ao prêmio de melhor direção. Ela tem como concorrente Audrey Diwan, uma cineasta franco-libanesa que ganhou o Leão de Ouro por "L'Événement", um drama sobre um aborto na Paris de 1960.

 Foto: Estadão

Acerca do recordista de indicações ao César, "Ilusões Perdidas", já exibido aqui, no Varilux: sua bilheteria em seu país natal beira 850 mil ingressos vendidos. Trata-se de um tardio (mas bem-vindo) exercício de cinema moderno, cerzido por carretéis alinhados ainda nos idos de 1960. Tem algo de sexagenário, em seu apuro formal, sem jamais ser acadêmico, apoiado numa direção de arte (chefiada por Riton Dupire-Clément e Etienne Rohde, que junta Bruno Via e Fathi El Aihar no melhor de cada um) e num enxoval de figurinos (desenhados por Pierre-Jean Larroque) que o Oscar deveria premiar. É tão sexagenário como "O Leopardo" (1963), de Visconti, numa analogia que atesta sua excelência. Igualmente laureável é o desempenho de Vincent Lacoste, no papel do chefe de redação Etienne Lousteau, nesta adaptação feita a fio de ouro do romance "Illusions perdues" (1837), de Honoré de Balzac (1799-1850). Egresso do Festival de Veneza, que o esnobou em sua premiação oficial, o longa do diretor de "Quand j'étais chanteur" (2006) é um estudo sobre a gênese do jornalismo, fidelíssimo à ironia balzaquiana em sua observação do cinismo da classe profissional sobre a qual se debruça, sendo fiel ao clima de ressaca de sua prosa. Benjamin Voisin (de "Verão de 85") usa tudo o que aprendeu com François Ozon para construir a figura do poeta Lucien Rubempré como um edifício afetivo de múltiplos andares de angústias e sonhos.

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Seu enredo - qual está no livro - sintetiza a viagem pela ascensão e queda de um aspirante a Anacreonte, que encontra na Imprensa meios de ganhar o pão após chegar a Paris, vindo do interior, atrás de um amor, com traços de nobreza - um bom papel dado a Cécile de France. Na metrópole, Rubempré vai se calejar como um crítico ferino, treinado por Lousteau, que é um alter ego de Balzac (segundo muitos críticos). Além de calos, ele ganha noites e noites de prazer nos lençóis da atriz Coralie, chama ardente que Salomé Dewaels interpreta (bem) com decantada inteligência. Mas o moço ganha também uma vaidade desmedida. Ganha um ego tamanho GG. São maus ganhos, que seu rival, Nathan (vivido com garbo pelo diretor Xavier Dolan), vai explorar com viperina sagacidade. Sob a fotografia barroca de Christophe Beaucarne, vemos o tombo de Rumbempré doer, espatifar ossos, revelar nuanças da prática da reportagem e apontar uma série de nódoas do presente, na lógica das fake news. É um curso de Comunicação em duas horas de requinte, com Gérard Depardieu a dar aulas de empáfia, numa genial participação como um editor. Não por acaso, em Veneza, Elisa Giudici, do site "The Film Experience" deu a "Illusions Perdues" uma definição precisa, ao chama-lo de "proto-'Cidadão Kane'", enchendo-o de elogios.

p.s.: Na sexta, para festejar a estreia de "Titane", a MUBI Brasil fez uma parceria com a Revista "Les Diaboliques" para um bate-papo sobre o filme no Twitter Spaces. Conversarão com a crítica e bamba master nas narrativas de terror Beatriz Saldanha: Isabel Wittmann, Isabelle Simões, Jéssica Reinaldo, Monica Demes, Monique Costa, Tati Regis e Yasmine Evaristo.

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