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Grace Passô atropela a Première Brasil com sua glória

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Digão Ribeiro corteja Grace Passô em "Praça Paris": atuações redentoras  Foto: Estadão

Rodrigo FonsecaEm sua arrancada inicial, de quinta pra cá, com A Forma da Água, o Festival do Rio fez da celebração das diferenças (sexuais, raciais, multicuturais e até nerds) o foco desta sua edição de 2017 nas mais variadas latitudes, a começar por um curta-metragem seminal para estes nossos dias que virou "a" cara do evento: a animação Tailor, de Cali dos Anjos, sobre transgêneros. Mas o aspecto que mais salta aos olhos, e mais merece aplausos, é a onipresença de BONS papéis para intérpretes negros. Mariana Nunes entra como o Anjo da História de Paul Klee com sua máscara trágica em Zama, de Lucrecia Martel. Idris Elba é o Romeu de Depois Daquela Montanha. Rodrigo dos Santos é a figura da lei no inquieto Aos Teus Olhos. E Isabél Zuaa se candidata ao posto de musa do horror com seu trabalho em As Boas Maneiras. Mas no sábado, a Première Brasil nos deu um presente, valoroso em especial quando se pensa no whitewashing do pensamento: o drama Praça Paris apresentou ao cinema uma das maiores atrizes do teatro nacional no momento, Grace Passô. Ao lado dela, aprece um outro achado: Digão Ribeiro, que ocupou toda a telona do Lagoon não por seu corpanzil, mas por seu carisma e sua inteligência cênica.

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Não há fresta que Grace e Digão não ilumine nas vielas que se formam perpendiculares à Praça Paris, mesmo em cenas que soam forçadas, como a de uma tortura um tanto caricata, e das alfinetadas nos legados da UPP. Embora engasgado num determinismo sociológico datado (meio anos 1970), típico da obra da diretora Lucia Murat, o filme se faz necessário por múltiplas razões, sobretudo por seu carinho com o lugar político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a UERJ, e pela reflexão sobre a cena carcerária carioca. Neste ponto, a cineasta mostra a maestria (de mundo e de meios) com a qual já havia produzido o perturbador Quase Dois Irmãos, de 2004. E há um tom de thriller psicológico, que redesenha e redefine o filme lá pelo fim e que se alimenta, bastante, do talento dramatúrgico (como roteirista) de um dos mais provocativos escritores do Brasil hoje: Raphael Montes (de Dias Perfeitos). Ele escreve o filme a quatro mãos com Lucia, oxigenando de ideias uma narrativa que se emperra numa montagem um tanto deslocada, emperrada.

Filme conta com o texto de Raphael Montes, um dínamo da prosa, no roteiro  Foto: Estadão

Grace, da peça Vaga Carne, desenha uma nova instância de representação de mulher da periferia no papel de Glória, uma ascensorista cujo irmão é um chefe do tráfico e cumpre pena sob o olhar atento da Polícia. Ela extravasa os nós do peito falando prum pastor (Babu Santana, sempre no ponto) e para uma jovem psicanalista que faz seus estudos de pós na UERJ, a jovem portuguesa Camila (Joana de Verona). Digão entra como Samuel, o motoboy que mexe com a libido de Glória. Espera-se uma relação especular entre ela e Camila, mas o filme não estabelece essa parelha com harmonia. Temos duas mulheres que se confrontam no olhar. Mas, apesar do talento inequívoco de Joana, é Grace quem vai desenhar as curvas de ação, deitando e rolando nos hiatos morais de Glória, fazendo dela uma personagem única.

 

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