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'Giulia', momento Cassavetes em Veneza

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Rodrigo Fonseca Nos 45 minutos do segundo tempo, chegando ao fim neste sábado, com a entrega do Leão de Ouro, o Festival de Veneza 2021 consagra histórias de afeto em suas seções paralelas, como é o caso de "Deserto Particular", de Aly Muritiba, apostando em formas erráticas de querer. E, nessa seara, um dos achados da Giornate degli Autori é "Giulia", um exercício cassavetiano do cinema italiano, fruto da sinergia entre a atriz Rosa Palasciano e o diretor Ciro de Caro. Rosa tem uma atuação estonteante - capaz de evocar Gena Rowlands em "Uma Mulher Sob Influência", de 1974 - no papel de Giulia, uma jovem avassalada por um desejo selvagem de liberdade. Um dia, em função de uma série de escolhas erradas, ela se vê desabrigada e começa, à sua maneira louca, a procurar abrigo e seu próprio lugar no mundo. "No silêncio, Giulia encontra um respiro, numa atuação em que me reporto a grandes atrizes como Giulietta Masina, Claudia Cardinale, Monica Vitti. Nosso passado nos nutriu", diz Rosa, explicando ao Estadão como construiu o roteiro em parceria com Ciro. "Giulia se vê perdida num contexto de solidão".

Entre um desejo ilusório de maternidade e uma busca por formas inusitadas de se conseguir dinheiro, ela passa os dias mais quentes de um tórrido verão romano cercado de personagens fugidios, com vidas vazias. "Essa questão da solidão se reporta ao sentimento de muitos italianos em relação ao lockdown da pandemia, onde muitas pessoas ficaram sem contato. Muitos se viram sem emprego, numa situação difícil. Giulia se vê sozinha. E o orgulho respinga nela", diz Caro ao P de Pop. "Vimos muito Cassavetes antes de escrever o filme, estudando 'Uma Mulher Sob Influência' buscando um caminho próprio, sem copiá-lo. Pedi a meu fotógrafo, Manuele Mandolesi, uma fotografia realista, sem cores fortes, com o menor uso de luz possível. Não quero recriar a realidade, supor que poderia reproduzir a paleta cromática do real. Este nosso filme é um estudo, um estudo sobre uma natureza solitária". No enredo, o desafio de Giulia é decidir como viver, ou não viver, sua própria vida. E esse desafio rende sequências comoventes, com Rosa num trabalho delicado de contenção das angústias de sua personagem. "O neorrealismo italiano nos ajudou a exorcizar um drama coletivo, que foi o horror da Segunda Guerra e do fascismo, com histórias que apostavam na simplicidade. Não se falava da guerra, na maioria dos filmes, e, sim, das histórias particulares de seus personagens", diz Ciro. "O neorrealismo nos ensinou a ver pelos olhos do personagem e é o que eu tento fazer isso com Giulia".

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