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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Fiasco de bilheteria com Bill Murray se candidata a cult na TV

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Zooey Deschanel é a estrela da comédia Bill Murray em "Rock em Cabul": neste domingo no canal Max 

RODRIGO FONSECA

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Marcado a ferro em brasa com a palavra "fracasso", celebrizando-se no imaginário pop como um desastre de público, Rock em Cabul (Rock The Kasbah) ganhou uma segunda chance de sobrevida na televisão, candidatando-se como cult: neste domingo, às 21h, ele entra na grade da TV a cabo no Brasil, no canal MAX. O carisma de Bill Murray não foi apto para atrair pagantes para este produção de US$ 15 milhões, cuja bilheteria custou a chegar a US$ 3 milhões. Mas no ambiente televisivo, terreno onde ele começou a erigir sua popularidade, nos anos 1970, no humorístico Saturday Night Live, o ator pode dar a este longa-metragem uma visibilidade à altura de suas tiradas divertidas e de sua reflexão acerca do congraçamento entre culturas.  Na versão brasileira, a dublagem do ator ficou por conta de Hélio Vaccari.

Seu fiasco na venda de ingressos pode ser explicado por razões políticas: a opção de desafiar as tradições do Afeganistão a fim de construir uma narrativa hollywoodiana de rendeção (e, ainda por cima, debochada) foi patrulhada e recebida como um desrespeito. Mas é difícil, usando critérios estéticos, justificar a rejeição popular sofrida por este que talvez seja o mais inspirado trabalho de direção do realizador Barry Levinson desde Mera Coincidência (1997), seu último sucesso.

Kate Hudson vive uma garota de programa de luxo no longa do diretor de "Rain Man"  

É sobre alteridade que se fala em Rock em Cabul: seu tema é a estranheza que duas culturas distintas produzem quando aproximadas, sobretudo se aproximação for forçada e mediada pela arte - no caso, a música. Gaiato por excelência, Murray vive Richie Vance, um caça-talentos musicais, dono de uma fama que parece ter sido forjada por ele mesmo - e desgastada ao custo de muita farra. Ele hoje busca uma chance de se reinventar no mercado apostando num show no Afeganistão. Mas sua "estrela" (Zooey Deschanel) acaba amarelando na hora de cantar por lá, deixando-o sem sua matéria-prima de trabalho, sem dinheiro e sem passaporte, na mira de um mercenário sem causa ne honra, Bombay Brian (um Bruce Willis deslocado). Mas sua sorte ameaça mudar quando ele encontra uma jovem afegã isolada nas montanhas, Salima (Leem Lubany), cuja garganta de ouro pode levá-la a ser a vencedora de uma espécie de Ídolos afegão. Mas existem tradições (em especial o preconceito contra as mulheres) que pode atrapalhar a jornada da jovem e a volta por cima de Vance, que acaba se metendo numa guerra tribal.

As filmagens ocorreram no Marrocos, embaladas numa trilha sonora preciosa de Marcelo Zarvos, compositor paulista classe AA. Agora na telinha, Rock em Cabul revive a habilidade (há muito perdida) de Levinson em manter as rédeas de uma narrativa capaz de flertar com vários gêneros (neste caso um coquetel de comédia, de drama, de guerra, de thriller político, de musical). E o cineasta promove essas misturas sem jamais perder as rédeas do que está no DNA da intriga central. E, neste caso, a intriga fala de um mútuo exercício de reciclagem pessoal - a de Vance, de um lado, e a de Salima, do outro. Ambos estão sedentos de esperança, seja por um futuro profissional mais luminoso, seja por tempos de paz. De quebra, ainda vemos uma Katie Hudson luminosa como a garota de programa que vai auxiliar Vance em sua odisseia no deserto. Sua participação é sexy e provocativa.

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Bruce Willis é um mercenário às voltas com o caça-talentos trapalhão  

Esse domínio azeitado das idas e vindas do roteiro espana o ferrugem que tomou conta das engrenagens criativas de Levinson a partir dos anos 2000, quando uma série de fiascos de público e crítica, iniciada com Vida Bandida (2001), tirou dos eixos uma das sólidas carreiras da indústria americana. Ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim e do Oscar de melhor direção por Rain Man (1988), ele ganhou notoriedade ao dirigir sucessos como Bom Dia, Vietnã (1987) e O Enigma da Pirâmide (1985), tendo sido parte indelével da construção do imaginário pop dos anos 1980. Mas o excesso de burocracia em seu olhar - muito refém da lógica causa e efeito nos roteiros - acabou travando sua evolução. Rock em Cabul permite a ele mais e melhores riscos - sempre amparado por Murray - que, infelizmente, não foram apreciados como deveriam. Mas nem por isso, esta comédia pacifista perde seu brilho.

 

 

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