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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Ethan Hawke entre mitos e autores na Croisette

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Aos 51 anos, o ator lança uma série de .docs sobre estrelas do cinema Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Em cartaz nos cinemas do Brasil com "O Homem do Norte", de Robert Eggers, e bombando na streaminguesfera como o vilão metafísico da série "O Cavaleiro da Lua", Ethan Green Hawke, hoje com 51 anos, tem um compromisso de gala com o Festival de Cannes neste sábado, onde vem exibir um par de episódios do projeto documental "The Last Movie Stars". É ele quem dirige o .doc sobre Joanna Woodward e Paul Newman, resgatando a potência de invenção desse casal de atores. Mas, com a vinda de Hwke, a Croisette começa a se perguntar o que foi feito de um de se seus mais recentes e badalados longas-metragens: "Zeros and Ones", de Abel Ferrara. No Brasil, essa produção de setembro do ano passado não conseguiu espaço. Já na Europa...

"The Last Movie Stars" Foto: Estadão

Lançado nos EUA em novembro de 2021, meio na surdina, sem fazer alarde, "Zeros and Ones" tem alcançado os olhares (e o aplauso) da crítica internacional devagarzinho. Abençoado por uma atuação brilhante de Hawke, o novo filme de Ferrara disputou (com garra) o Leopardo de Ouro de Locarno, valendo-se da potência de ser uma das mais radicais (e poéticas) releituras da cartilha dos thrillers, incluindo os de cunho político, já feitos no cinema. Não por acaso, saiu do evento suíço com o troféu de melhor direção, uma das mais significativas honrarias que seu realizador recebeu em quatro décadas de invenção. Ao cruzar experiências de textura de vídeo com a linguagem do Zoom e com a cartilha dos filmes de espionagem, o diretor de "Vício Frenético" (1992), cria um mosaico plástico que renova, formalmente, o filão. Só "Guerra Sem Cortes" ("Redacted"), que deu a Brian De Palma o prêmio de melhor direção em Veneza, em 2007, atingiu algo tão possante na decantação da linguagem cinemática a partir de um diálogo com os códigos do YouTube. Na dramaturgia, Ferrara inflama (e joga sal sobre) as velhas feridas abertas na geopolítica internacional pelas práticas intervencionistas dos EUA. Os diálogos, ferocíssimos, abrem-se a pérolas como "Jesus foi apenas mais um soldado, uma casualidade de guerra". Esse desenho narrativo híbrido de videoarte, artes plásticas, colagem de pinturas e suspense ganha um colorido a mais do carisma de Hawke, dividido em dois papéis. "Sempre acreditei que meu trabalho começa nas minhas escolhas. E sempre quis trabalhar com Ferrara, sobretudo depois de ver o que ele vem fazendo com Willem Dafoe ao longo dos anos", diz Hawke num vídeo enviado a Locarno para abrir a projeção de "Zeros and Ones".

 Foto: Estadão

Em "cartaz" nas livrarias com o romance "Código de um Cavaleiro", lançado aqui pela Harper Collins, Hawke encontrou em Ferrara um parceiro valioso, em meio a uma carreira pontuada por trocas com mestres como Hirokazu Koreeda, Peter Weir, Rebecca Miller, Antoine Fuqua, Andrew Niccol e Richard Linklater (de quem também é parceiro de escrita). Sob a orientação de Abel, ele interpreta um militar americano, conhecido como J.J. O tal soldado vai até Roma (onde Abel mora) para uma missão antiterrorista. É o que parece, pelo menos, até sabermos que ele tem um irmão gêmeo, que corre perigo em meio a uma célula de terror que parece jihadista ao expor questões religiosas. Tais questões só reforçam o traço autoral de Ferrara. "Falta autoentendimento no mundo. Falta um espaço para as pessoas se olharem nestes dias em que tudo é conectado e onde se rumina pouco as narrativas que a gente consome", disse Ferrara ao Estadão em Berlim, em 2020, quando lançou "Sibéria", um drama existencialista classificado como obra-prima, e exibido na Mostra de São Paulo. Mas em "Zeros and Ones", ele se supera, unindo o melhor dos dois mundos de sua obra. Temos, de um lado, a experimentação (quase no plano da textura) e, do outro, a habilidade de investigar a brutalidade como um cronista do desassossego alimentado pela contravenção.

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