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'Era o Hotel Cambridge' desponta rumo ao Redentor na Première Brasil

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Apolo (José Dumont) integra a ocupação de "Era o Hotel Cambridge", premiado em San Sebastián, na Espanha  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECATermina nesta quinta a seleção competitiva do Festival do Rio 2016 - uma das mais potentes de todas as 18 edições do evento, por mérito de uma curadoria nada inercial de Angélica Oliveira - com a projeção do aguardado Mulher do Pai, da diretora gaúcha Cristiane Oliveira, feito pela mesma turma que nos deu o essencial Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa (2014). No mínimo, se tudo der errado com o longa, o que parece difícil de acontecer, vide os excelentes curtas de Cristiane, como Messalina (2004) e Hóspedes (2009), tem Marat Descartes, à frente do elenco, para segurar a marimba. E qualquer minuto de Marat na telona já é, em si, uma garantia de energia cinemática. Mas agora que a reta final está em primeiro plano, ficou dividido o favoritismo de Redemoinho nas apostas e nas conversas de corredor acerca do potencial ganhador do Redentor de melhor filme: há quem faça fé na engenharia de ação de Andrucha Waddington e seu Sob Pressão e há, desde a noite de quarta, uma torcida formada em torno de Era o Hotel Cambridge, de Eliane Caffé, que chegou ao país galardoado com uma menção especial no Festival de San Sebastián, na Espanha.

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Tema fundamental para redefinições (e inclusões) geopolíticas da contemporaneidade, abordado, este ano, como assunto central em festivais como o de Berlim, a questão dos refugiados políticos incendiou a Première do Rio, fazendo de uma São Paulo de mil desigualdades (e múltiplos combates) seu cenário ao longo dos 90 claustrofóbicos minutos de Era o Hotel Cambridge. Dirigido por uma Eliane Caffé (Kenoma) fiel à sua investigação autoral sobre figuras em deslocamento (em busca de um fixismo cômodo e protetor), o longa-metragem é o mais caudaloso (e rigoroso, na forma) filme da diretora paulista. Nele, imigrantes degredados do Congo, da Palestina, da Síria e da Colômbia se refugiam na hospedaria abandonada do título, em SP, ao lado de um grupo sem teto de distintos CEPs. Lá dentro, um agitador cultural com aptidões para o teatro, Apolo (José Dumont, de volta às telas com som e fúria, em uma atuação de gerar taquicardia), ajuda uma dirigente de movimentos de ocupação (Carmen Silva) a dar um norte para aquela babel de muitas línguas, capaz de fundir não-atores a grandes intérpretes (vide Dumont e Suely Franco, que ilumina a cena a cada aparição).

Longa de Eliane Caffé é um dos favoritos ao troféu Redentor deste ano  Foto: Estadão

É difícil ver outra pessoa que não Dumont recebendo o Redentor de melhor ator este ano, apesar da torcida forte por Marcos Veras, com O Filho Eterno, e do desempenho devastador da dupla formada por Julio Andrade e Irandhir Santos em Redemoinho. Mas, se o mundo fosse justo, o certo mesmo, pela quantidade de tempo em cena, era Dumont ganhar como coadjuvante. Mas... E, como já falou-se aqui, tem Marat ainda a ser visto.

Diverso de tudo o que a realizadora de Narradores de Javé (2003) e O Sol do Meio-Dia (2009) fez até agora, trocando ambientes de um Nordeste profundo pela metrópole nº 1 do país, Era o Hotel Cambridge parece mais um exercício investigativo do que um ensaio propositivo, eletrizado por uma linguagem (bem) equilibrada no arame farpado entre fato e ficção. Tem um quê de arquivo, tem um quê de chat via Skype, tem perfil de rede social e tem um relógio que corre disparado, cronometrando o período que os personagens têm antes de uma possível expropriação. Fica-se pouquinho com cada um no roteiro escrito pela cineasta e por Inês Figueiró, com o aporte do dramaturgo Luiz Alberto de Abreu. Cada momento um refugiado ou um sem-teto nativo ganha a ribalta para si, o que é suficiente. O protagonismo é muito mais da situação - estrangeiros em degredo e brasileiros em condição de pobreza plena - do que desta ou daquela pessoa ou família. Claro que, com inteligência, Eliane nos deu Apolo (ou melhor Dumont) para ser um ponto de apoio, o "rosto amigo" entre anônimos.

Se o dispositivo é o da busca, e o ensejo é investigar, a montagem (feita por Marcio Hashimoto) precisa de atenção redobrada para que as idas e vindas e para que todo o vasculhar daquela "aldeia de cimento" tenham um sentido estético - e, por que não?, um calor político. Nesse ponto, o filme avança cinematograficamente em relação à bela contribuição de outros filmes brasileiros sobre o mesmo tema, como Dia de Festa (2006) e Estamos Juntos (2011), de Toni Venturi, e À Margem do Concreto (2005), de Evaldo Mocarzel. A recepção aqui foi traduzida em forma de discussão sobre o lugar dos refugiados no Brasil. E, em paralelo, houve muito riso, catártico, nas peripécias de Apolo, cantando "música de corno" e bebendo com os gringos.

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Descrito aqui como um "poema da geopolítica", Era o Hotel Cambridge se candidata à Eternidade de debates enquanto o expatriamento e o desterro forem temas do mundo e da Economia. Há um momento e outro de um didatismo exagerado (como na cena de Apolo lendo depoimentos racistas), e um ou outro clichês (como a situação da  jovem branca de classe média de paquera com um negro africano) mas nada que comprometa o vigor sensível e a relevância social desta produção com fôlego de trem-bala e com a retidão delicada de haical.

"Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos": Nordeste pop  Foto: Estadão

Entre os documentários em concurso este ano, chegou de Pernambuco um quarto concorrente, de alta voltagem experimental, para desafiar, pela sensorialidade, a trindade formada por Divinas Divas, de Leandra Leal, Curumim, de Marcos Prado (o que mais cotado ao troféu de direção de não-ficcão), e A Luta do Século, de Sérgio Machado: o musical Super Orquestra Arcoverdense de Ritmos Americanos. Com direção de Sérgio Oliveira, o lugar vai às raias da fabulação em sua cartografia de um sertão em transformação, embalado por canções cosmopolitas que alimentam sonhos nos bailes de debutantes.

"MaMa", de Julio Medem: o melhor estrangeiro pela oxigenação do melodrama  Foto: Estadão

Domingo à tarde serão conhecidos os ganhadores da Première Brasil. Se houvesse um prêmio para o melhor filme estrangeiro do evento, o voto do P de Pop ficaria para o espanhol Ma Ma, de Julio Medem, por sua aula de melodrama concedida pelo visceral desempenho de Penélope Cruz como portadora de um câncer terminal às voltas com uma gravidez e com a reestruturação afetiva. Tem sessão dele amanhã, às 17h, no Reserva Cultural Niterói, e sábado, às 16h15m, no Odeon.

p.s.: O filme imperdível do dia, agendado para 17h, na Cinemateca do MAM, é Os Mendigos, dirigido pelo ator Flávio Migliaccio, com Ruy Guerra no elenco. A trama segue a educação sentimental e social de uma menina com um grupo de pedintes. Aliás, alguém deveria dar uma menção honrosa ao Festival do Rio e à curadoria do MAM (assinada por Ricardo Cota) pela retrospectiva Cinema Novo - Interseções - Cinema Marginal, que tirou do baú até Ternos Caçadores.

 

 

 

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