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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

É 'Tempo' de Shyamalan nas bilheterias

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Vicky Krieps é a força da natureza dramática numa praia que deteriora os corpos de pessoas como Gael García Bernal em "Tempo" ("Old") Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Em apenas duas semanas em cartaz nos EUA, "Tempo" ("Old"), produção de US$ 18 milhões, faturou cerca de US$ 30 milhões nas bilheterias, confirmando o quanto o cineasta indiano Manoj Nelliyattu "M. Night" Shyamalan ainda é capaz de mexer com a curiosidade e o medo das plateias. Lançado no Brasil neste fim de semana, o novo longa-metragem do realizador de "O Sexto Sentindo" (fenômeno popular em 1999, quando arrecadou US$ 672 milhões) foi rodado na República Dominicana, com base em graphic novel franco-suíça da dupla Pierre-Oscar Levy e Frederik Peeters, chamada "Château de Sable", traduzida em português como "Castelo de areia", pela Tordesilhas. Estima-se que o Festival de San Sebastián vá conceder um troféu honorário ao diretor, em sua 69ª edição, agendada de 17 a 25 de setembro, no norte da Espanha - mas nada foi confirmado ainda. Na tensíssima trama protagonizada por Gael García Bernal e Vicky Krieps, um grupo de turistas encara uma assustadora mutação em uma praia paradisíaca que altera a aparência de quem está ali, tornando as pessoas beeeem mais velhas, acelerando a decrepitude de corpos. Cogita-se que o novo thriller de terror do cineasta - estrelado ainda por Eliza Scanlen, Thomasin McKenzie, Alex Wolff, Rufus Sewell, Embeth Davidtz, Nikki Amuka-Bird, Ken Leung e Emun Elliott- possa se tornar um dos fenômenos do ano na venda de ingressos, mesmo sob o fantasma da covid-19 esvaziando o circuito. É uma narrativa de virada, que ferve no banho-maria do medo, até explodir numa virada que nos surpreende ao converter o que parece ser mera ação do "extraordinário" ao nosso redor em um plano vilanesco. Suas primeiras imagens ilustram o quando o diretor é capaz de se reinventar, reforçando a potência do fotógrafo Mike Gioulakis, num balé de movimentos, por vezes bruscos. Balé que aproveita a força trágica de Vicky Krieps para dar estofo a uma personagem assombrada por fantasmas de culpa e de finitude. Reinvenção é uma arte na qual M. Night Shyamalan é um mestre. Depois de ter caído em desgraça com o injustiçado "A Dama na Água" (2006), ele amargou uma década de rejeições até se recriar a partir da televisão, com um seriado com aura de cult "Wayward Pines" (2015), com Matt Dillon, redescobrindo o prazer de filmar com baixíssimo orçamento e total liberdade. Foi essa a sua realidade em "A Visita" (2015), um exercício autoralíssimo da carpintaria do assombro, com o qual ele redescobriu as manhas do terror a partir das quais havia despontado para o estrelato, com o já citado "O Sexto Sentido" que custou US$ 40 milhões e faturou US$ 672 milhões. De volta às veredas do medo, onde lançou-se como grife, na plenitude de sua potência estética, ele se reencontrou e recuperou a tarimba de abocanhar gordas bilheterias, com um soberbo trabalho díptico: "Fragmentado" (2017) e "Vidro" (2019). Os dois vieram carregados de elogios, a maioria voltados para a condução febril do enredo sobre um sujeito com 23 personalidades que sequestra três moças e acaba atraindo as atenções de um vilão chamado Sr. Vidro (Samuel L. Jackson).

 Foto: Estadão

A medida de seu sucesso se dá em números: esses seus dois últimos longas arrecadaram um total de meio bilhão de dólares, juntos: US$ 548 milhões. Ecos de "Psicose" (1960) trovejam narrativa adentro, fazendo justiça à comparação entre Shyamalan e a práxis cinemática de Hitchcock, no que envolve a opção por sugerir em vez de escancarar, de criar clima ao invés de apelar para um grafismo pornográfico da violência. Viradas de roteiro - o trunfo de seus primeiros filmes - ficaram para trás. É na imagem que ele encontra o diferencial de narrativa e de sedução, como sugere o trailer de "Tempo".

Há uma frase seminal em "O sexto sentido", mais sútil e lúdica do que o desabafo que o celebrizou ("I see dead people!"), na qual se aprende: "Na vida, algumas magias podem ser reais". Nos últimos 20 anos, período no qual estabeleceu-se como um dos realizadores mais ousados de Hollywood, mesmo quando a Meca do cinemão o esnobou, Shyamalan - nascido em Mahé, Pondicherry, na Índia, em 1970 - nunca abriu mão da crença no mágico, no fantástico, no ilusório. Até "Sinais" (2002), com Mel Gibson, a fantasia tinha lugar encantador em sua filmografia. Depois de "A vila" (2004), sua obra-prima, ilusão passou a simbolizar opressão em seu autoralíssimo cinema, de uma carpintaria que sempre se apegou a sutileza. Não por acaso, seu olhar passou a gravitar para o suspense. Em Shyamalan, tempo é incerteza. Mas "Tempo", o filme, é uma iguaria. Das mais saborosas.

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