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'Divino amor': Gabriel Mascaro nas alturas

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Rodrigo FonsecaLaureado com o prêmio Feisal, dado pela Federación de Escuelas de Imagen y Sonido de América Latina, no Festival de Guadalajara, a sci-fi "Divino amor" estreia nesta quinta no Brasil após um bem-sucedido périplo por vitrines internacionalmente disputadas como as telas de Sundance e da Berlinale, consagrando o talento do pernambucano Gabriel Mascaro para a provocação. Espécie (crítica) de "THX1138" (o marco zero de George Lucasmeets "Fala que eu te escuto", programa de evangelização mais popular (e exótico) da TV brasileira, aficção científica do diretor de "Boi Neon" (2015) destacou-se no exterior como um estandarte da inquietação de nosso país em relação ao avanço do conservadorismo moral. À frente do longa, Dira Paes botou Park City e Berlim no bolso ao viver uma Joana D'Arc de repartição pública neste trabalho de maturidade de Mascaro, construído como uma reflexão sobre a fricção do corpo com o Estado. Escriturária em um cartório, Joana (Dira) defende Deus sobre todas as coisas num Brasil futurista, de 2027, onde o carnaval deu lugar a uma rave de Cristo. Mas o Espírito Santo há de aprontar com sua fiel. Na tela, o universo religioso por onde gravitam Joana e seu marido, o florista Danilo (Julio Machado, sempre afiado), também é estilizado. Parece o Festival da Canção de San Remo... ou o Show de Calouros de Silvio Santos, no SBT. Mas essa semelhança é conceitual, pois a direção de arte de Thales Junqueira, potencializada na fotografia de Diego García, deixa nítido que existe ali um pensamento muito filosofado (e bem abrasivo) capaz de usar um colorido eletrônico e lisérgico para aproximar o culto daquele futuro fundamentalista de uma festa Ploc. No roteiro, escrito a oito mãos por Lucas ParaízoMascaro, Rachel Ellis e Esdras Bezerra, marcado por diálogos primorosos, esse mundo é esquadrinhado com espanto.  O elenco reúne ainda Thalita Carauta, Emílio de MeloMariana Nunes (sempre brilhante em cena).

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Confira na entrevista a seguir, concedida ao P de Pop em plena Berlinale, os paralelos feitos por Mascaro entre o longa e o Brasil que acolhe sua chegada aos cinemas.

Qual é o universo religioso de "Divino amor"? Gabriel Mascaro: É o universo do controle biopolítico da vida, uma relação de propriedade entre corpo e Estado. A religião neopentecostal se apropria da prática neoliberal a fim de radicalizar um projeto superconservador em nome da "família cristã". Por isso a personagem central deste nosso filme é uma mulher que deseja mais fé no Estado, atrelada a um credo contemporâneo que se aproxima da cultura pop.

Que perigos essa prática de fé revela? Gabriel Mascaro: Ela mostra que uma das grandes contradições do conservadorismo é o fato de ele estar sabendo se atualizar de modo perspicaz. Precisava para isso de uma coisa muito difícil, que era ter uma personagem capaz de representar fé e erotismo, ao mesmo tempo. Ao escrever o filme, percebi que só havia uma atriz, a Dira, capaz de representar isso, embora não soubesse se ela poderia aceitar. Mandei o roteiro para ela. Recebi uma ligação dela dizendo: "Gabriel, você não entendeu: esse papel é meu".

 Foto: Estadão

Qual é a relação que o filme estabelece com a ideia de Estado que se desenvolve agora no Brasil? Gabriel Mascaro: "Divino amor" tenta fazer a fabulação de um Brasil do futuro, de 2027, onde o carnaval deixou de ser a nossa festa mais popular e deu a uma festa religiosa, evangélica, em forma de rave. Eu tento pensar um Estado no qual a religião tem ainda mais influência sobre o Brasil... como já anda tendo hoje. É também uma discussão do Estado se apropriando do corpo. Fiquei feliz de a Dira Paes ter dado conta dessa ambivalência entre corpo e poder.

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O filme discute o fundamentalismo sem jamais caricaturar o evangélico de hoje. Como foi encontrar esse equilíbrio na representação? Gabriel Mascaro: Quando fomos pesquisar, encontramos vários textos onde evangélicas e evangélicos reclamavam dessa representação. Os evangélicos são, na prática, um grupo muito heterogêneo, o que torna quase impossível dar conta deles, em toda a sua diversidade. O que eu tentei foi fazer uma projeção para um 2027 em que esse grupo se apropria da cultura pop, se apropriando de outras manifestações artísticas. A gente traz uma religião muito nova. Uma religião viva. E eu tento olhar pra ela com sua devida complexidade.

Existe alguma conexão de "Divino amor" com "Doméstica", seu primeiro longa? Gabriel Mascaro: Ali, havia um filme sobre trabalho que virou um filme existencialista, algo que passava por um mestre do documentário como Eduardo Coutinho.

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