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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Demônio de Neon' é um atestado de provocação e uma aula de estilo

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Elle Fanning em "Demônio de Neon": 29/9  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Tomado por uma (necessária e obrigatória) febre chamada Aquarius, visto já por cerca de 55 mil pagantes em cerca de quatro dias, o circuito de cinema de arte no Brasil respira polêmica (por razões políticas e estéticas) e vem somando boas e polpudas filas, valorizando outras estreias, como a saborosa "dramédia" A Comunidade, de Thomas Vinterberg. Mas, nesta seara autoral da exibição, a palavra "polêmica" exige, como complemento, um nome como o de Nicolas Winding Refn, que tem filme novo chegando entre nós no fim do mês.

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Artífice do pop e também da polêmica, o cineasta dinamarquês cultiva o esporte da autoiconoclastia como um meio de se imunizar de rótulos. Da projeção internacional nos anos 1990 com a franquia Pusher até o fenômeno de crítica Drive (2011), pelo qual ele foi eleito melhor diretor no Festival de Cannes, seu empenho em atomizar as certezas em torno de suas escolhas estéticas vem sendo uma bússola a partir da qual ele faz da provocação uma marcar registrada. E "provocar" é um verbo cujo complemento mais direto costuma ser "repúdio" ou "indignação", dois substantivos que, em forma de vaias, monopolizaram a passagem de seu longa mais recente pela Croisette: thriller Demônio de Neon (The Neon Demon). A estreia aqui no Brasil está marcada para 29 de setembro. A pulsão visual que fez dele uma exceção de talento - mesmo no fértil canteiro escandinavo - está lá, em sua fervura máxima, mas a dramaturgia passa por um ralador (o da arrogância) que banaliza a vitalidade desta reflexão sobre a violência do mundo da moda.

Há necrofilia, canibalismo, litros de sangue e muita - mas muita mesmo - nudez feminina neste puzzle sensorial sobre os infortúnios de uma modelo em um contexto social distinto do seu local de berço. E, como se tratava da tentativa (o melhor seria dizer "esboço") de fazer um filme de terror, vemos uma aposta radical na estética gore (sangue e tripas), revisitada a partir de um excesso de experimentação formal, na qual sobra um solo impagável para Keanu Reeves, o Neo de Matrix (1999-2003).

A bela fotografia é de Natasha Braier  Foto: Estadão

Responsável por espetáculos (reflexivos) de brutalidade como Bronson (2008) e O Guerreiro Silencioso (2009), Refn viu seu cacife na indústria audiovisual crescer com os 73 prêmios conquistados por Drive, assim como cresceu seu rol de antipatizantes por seu desapego às expectativas dos exibidores e às demandas de distribuidores. Seu longa anterior, o brilhante Apenas Deus Perdoa (2013), também foi destroçado pelos críticos, avessos às cartilhas de gênero. De uma certa forma, Demônio de Neon (The Neon Demon) é uma reação dele à vaidade intelectual, encarnada aqui no mundo da moda. Elle Fanning vive Jessie, uma jovem modelo, virgem, de apenas 18 anos, que vai para Los Angeles tentar a sorte profissional nas passarelas. Lá, ela é devorada (em muitos sentidos) por um universo de estranheza.

Mulheres de libidos misteriosas, um fashionita cheio de fogo (Alessandro Nivola, em hilária atuação) e uma vilã para fazer jus aos grandes psicopatas do cinema - Ruby, vivida com esplendor pela sensual Jena Malone - cruzam o caminho de Jessie numa trama alinhada com o suspense gore. Sangrento e erótico, o filme evoca referências de David Lynch (em Mulholand Drive) e Brian De Palma (em Femme Fatale e Dublê de Corpo), fazendo alusão direta ao injustiçado Sob a Pele (2013), com Scarlett Johansson. Reeves tem presença curta, numa cena da qual não se deve falar para evitar spoillers.

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O charme é inegável. Os personagens têm solidez. Mas há dois pecados mortais em Demônio de Neon (The Neon Demon): a) num exercício de exibicionismo da fotografia de Natasha Braier, Refn joga os 20 primeiros minutos do filme no lixo, realizando um arrastado (e oco) ensaio de moda, cujo único intuito é fetichizar o corpo de Lolita de Fanning; b) o diretor usa Reeves menos do que deveria. Mas nada disso justifica a recepção gélida de Cannes, nem a postura pouco educada da imprensa que o recebeu na disputa pela Palma de Ouro. Refn é um autor. E autores geram incômodo. Aqui, o incômodo alimenta.

 

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