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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Das Filipinas para o cinema de invenção, Lav Diaz vira o super-herói da Berlinale

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Exigir oito horas de atenção não dilui a beleza de "A Lullaby to the Sorrowful Mystery", de Lav Diaz Foto: Estadão

Colocar cerca de 2 mil espectadores em um estado de imersão na metafísica por oito horas e dois minutos de uma narrativa em preto e branco, de muitos (e longos) planos fixos, e ainda por cima ser festejado com unanimidade quando essa experiência chega ao fim, sem ter arrancado um bocejinho sequer, é uma tarefa para poucos realizadores e Lav Diaz é um deles, aliás, um dos melhores deles, a julgar pela recepção que seu A Lullaby to the Sorrowful Mystery teve na Berlinale, nesta quinta-feira. Aplaudido com ardor, o filme de 482 minutos é centrado em uma viagem pelas margens da fantasia e do neorrealismo, a partir de uma reflexão sobre o processo de emancipação política das Filipinas, após o jugo espanhol em sua colonização. A sessão foi um entra aqui, sai ali sem parar. Poucos ficaram a extensão inteira do longa-metragem, seja por algum compromisso com reuniões com distribuidores ou com entrevistas, seja por cansaço. Mas quase todo mundo que saiu voltou. E voltou não por culpa de não ter o dever cumprido, frente a uma produção em concurso pelo Urso de Ouro, mas sim por prazer. É saboroso o arranjo estético do cineasta, que terá um longa anterior, Do Que Vem Antes (premiado no Festival de Locarno em 2014), lançado no Brasil em duas semanas.

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"Não pense em duração quando vir um filme, pois o cinema não precisa ficar numa metragem estabelecida previamente pelo mercado. Filme é palavra, é ação, é reação, é indignação, é todo o gesto: como é a poesia, a música, a vida... Cinema precisa de liberdade, pois cinema existe para gerar mudança", disse Lav durante a coletiva de A Lullaby... em Berlim, de onde dificilmente sairá sem prêmios, incluindo o Troféu Alfred Bauer, dado a produções de maior investigação de linguagem, ao qual ele é o favorito. "Eu filmo porque o cinema me dá fé no mundo".

Antes de Diaz entrar na sala de conferências, com seus atores do lado, esperava-se que ele fosse um bibelô da ala mais "inteligentinha" do universo artístico, com a arrogância de quem confunde sofisticação com exclusão. Não foi o caso. Doce, generoso e ciente da responsabilidade social do cinema, o realizador virou uma estrela na Berlinale por suas análises críticas sobre as falências sociais de seu país e sobre a dimensão dos afetos no cinema, declarando sua paixão por diretores cultuados como Béla Tarr e Andrei Tarkovsky e seu respeito pelo expressionismo alemão.

"Tarkovsky e Béla são meus heróis porque fazem um cinema que vislumbra o Tempo. Não existe cinema lento: existe cinema, ponto. A lentidão é da vida. Eu desenhei este filme num diálogo com eles e também com os neorrealistas, como Rossellini, por exemplo, para falar de uma identidade, de uma sensação de mundo", diz o diretor de 57 anos, que encontrou uma tonalidade de preto e branco marcada por granulação, o que dá textura a sua narrativa, centrada na busca pelo corpo do libertador de seu país. "Eu usei elementos do expressionismo e também das histórias em quadrinhos feitas nas Filipinas para encontrar um tom preciso para rever a História".

Seu filme exige fôlego. Mas compensa o esforço.

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