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'Creed': o legado de Apollo e Balboa na Globo

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Renan Freitas e Luiz Feier Motta dublam Adonis e Rocky: domingo, 15h, na Globo Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Desde o Natal, "A JOURNAL FOR JORDAN", o novo experimento de Denzel Washington como diretor tem feito uma discreta carreira nas telas, reconstituindo a história real do soldado Charles Monroe King (papel confiado a Michael B. Jordan, de "Creed"), que deixou um diário para o filho, antes de morrer em Bagdá. Jordan está a um passo de passar para a cadeira de diretor, ao pilotar o terceiro tomo da franquia "Creed", que não deve contar com seu patrono, Rocky Balboa. Nada é certo ainda acerca da parte 3 da cinessérie, que passa a história de Sylvester Stallone com o cinema em revista, tendo rendido a ele um Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante. Tudo começou com "Creed - Nascido Para Lutar" (2015), que a Globo exibe neste domingo, às 15h. Em 1988, quando a "Tela Quente" foi inaugurada, a emissora carioca abriu os caminhos do sucesso para sua mais famosa sessão de longas-metragens com "Os Caçadores da Arca Perdida" (1981). O segundo filme a ser exibido foi "Annie Hall - Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (1977). Como terceira atração veio "Rocky III - O Desafio Supremo" (1983), consolidando a vocação para astro popular de Michael Sylvester Gardenzio Stallone, hoje com 74 anos. À época, André Filho era seu dublador. Naquele mesmo ano foi exibido "Rambo II - A Missão", logo após a novela das 20h, com igual êxito. Neste 2 de janeiro, antenado ao urgente combate antirracista planeta afora, o Plim Plim exibe, em rede nacional, um derivado das peripécias do Sr. Balboa: a saga do pugilista Adonis Creed, pupilo de Rocky, vivido brilhantemente por Jordan. Na transmissão, Renan Freitas dublará o jovem astro. E Stallone vai estar lá, agora na voz de Luiz Feier Motta, seu dublador desde 1994. É uma trama derivada da saga de "Rocky", que custou US$ 35 milhões e faturou US$ 173 milhões, catapultando Jordan para fama e consagrando o talento do diretor Ryan Coogler, que, na sequência, emplacou o fenômeno "Pantera Negra" (2018). Vale um lembrete: a edição do longa conta com o talento da montadora carioca Claudia Castello. Em paralelo, na web, Sly, apelido do ator ítalo-americano, e seu personagem mais famoso, ganham uma sobrevivda com a exibição online de "Becoming Rocky - The Birth of a Legend", documentário de Derek Wayne Johnson. A produção resgata a mítica do boxador, criado há quatro décadas. Ela está disponível no iTunes, na Appel TV, na Amazon e no site becomingrocky.com. Derek acaba de lançar "Stallone, Frank. That Is", um .doc sobre o irmão cantor de Sylvester. "O primeiro 'Rocky' traz uma das cenas mais emblemáticas de redenção da História: no round 14, quando Rocky cai, todo mundo diz para ele continuar no chão, para não levantar, de tanto que se machucou, mas ele fica de pé, e clama por mais uma chance", diz Derek ao P de Pop. "Minha vida não teria sido a mesma sem essa cena. É um exemplo de superação que torna Balboa um personagem inesquecível". Probabilidades, esta é a palavra que mais interessa ao olhar de cineasta de Ryan Kyle Coogler, americano nascido na Califórnia há 34 anos, que alcançou notoriedade ao sair de Sundance com o Grande Prêmio do Júri por "Fruitvale Station: A Última Parada", em 2013. Há seis anos, ele galgou o panteão de Hollywood ao lançar o motivacional drama esportivo "Creed - Nascido para Lutar". Alguns chamam o filme de "Rocky 7", uma vez que ele traz de volta o Garanhão Italiano, Balboa. Mas o personagem volta aqui com um tônus dramático nunca apresentado antes, visto que seu intérprete, Stallone, hoje septuagenário, usa cada ferramenta gestual que tem para transcender. O papel deu a ele uma indicação ao Oscar em 2016. Mas seria injusto dar ao longa o nome de Rocky - mesmo que ele nos leve às lágrimas mais de uma vez. Afinal, a estrela maior é o próprio cineasta, Coogler, em um impecável exercício de autoralidade. Como em seu longa anterior, centrado nas horas finais de um jovem vitimado pelo racismo, o cineasta se detém aqui sobre situações prováveis, sobre escolhas e suas consequências, mas isso sempre à luz da discussão da exclusão social.

Ryan Coogler assina a direção Foto: Estadão

Agrilhoado ao factual, "Frutirvale Station" (laureado em Cannes) era uma pensata de timbres semidocumentais sobre o que poderia ter sido da vida de uma vítima do preconceito se ele não tivesse estado em uma estação ferroviária na hora de um tumulto. É dramaturgia de digressões. Como ele poderia ter sido feliz por mais tempo? Como ele poderia ter um novo caminho? Menos digressivo, "Creed" também se pauta por perguntas. O que teria sido de Adonis (Jordan, numa atuação exemplar) se ele tivesse se conformado com o conforto familiar de sua tutora, a viúva de seu pai, Apollo (Carl Weathers), e recusado a centelha guerreira em seu sangue? O que teria sido de jornada se a inquietude frente às ausências e carências de sua infância pobre, antes da adoção, fossem menores? Como teria sido a experiência de abraçar Apollo? Cada uma das hipóteses vai sendo respondida a socos, não dos adversários de ringue, mas da vida, que prega uma peça no jovem lutador a cada opção tomada, a cada decisão. E o roteiro de Aaron Covington e Coogler sustenta esse espancamento pelos dilemas do verbo viver com uma estrutura mais preocupada com o drama e desenvolvimento emocional de Adonis do que com a violência. Esta se faz presente nas lutas numa forma isenta de juízos acusatórios. Há adrenalina aos litros, cativando a plateia. Coogler filma com um requinte de linguagem raro, digno do esmero fabular do longa original, de 1976, rodado por John G. Avildsen (1935-3017). Aqui, Coogler incorpora elementos do jornalismo esportivo, com vinhetas, comentários, grafismos digitais, dando um dinamismo à montagem que eleva a dimensão de espetáculo deste conto sobre resiliência. Mas nada em cena se equipara à dinâmica de Stallone, num esforço de converter o arquétipo do animal selvagem, ferido pelas mazelas do dia a dia, no arquétipo do sábio, que acolhe e ensina. Há uma atenção especial do diretor com as atrizes Tessa Thompson (como Bianca, o alvo do amor romântico de Adonis) e (a ótima) Phylicia Rashad, que vive May Anne (a viúva de Apollo). As duas têm espaço em cena para escavarem complexidade para suas personagens. Na transmissão dublada do longa, Mariana Torres esbanja poesia dublando Bianca. Vânia Alexandre desfila experiência como a voz de Mary Anne.

Na revista "Variety", o crítico Owen Gleiberman elogia, em sua resenha, a discrição que marca a interpretação de Balboa, 45 anos depois do lançamento de "Rocky, um lutador", produção de US$ 960 mil que arracadou US$ 225 milhões e ganhou os Oscars de melhor filme, direção (para Avildsen) e montagem. Segundo Gleiberman, Stallona usa "um resmungo sincronizado e um brilho no olhar mais poderoso do que suas palavras". Um dos mais ferinos críticos dos EUA hoje, A. O. Scott, do "The New York Times" afirma que "a retomada da franquia 'Rocky', focada nos dilemas e triunfos de Adonis Creed, representa a única série cinematográfica de heróis digna de atenção hoje", elogiando o trabalho de Steven Caple Jr. na direção - ele herdou o projeto de seu colega de universidade Ryan Coogler. "Os momentos de dor, de humor e de intimidade tornam 'Creed 2', uma experiência sólida e satisfatória", escreve Scott, destacando a colaboração de Stallone no roteiro do segundo longa da nova franquia, lançado em 2018, que custou US$ 50 milhões e arrecadou US$ 214 milhões. Prepare as lágrimas pr'esta tarde.

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