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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Cem anos de Judy Garland em peça imperdível

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Luciana Braga mistura suas vivências com as memórias da atriz de "O Mágico de Oz" em "Judy - O Arco-Íris é Aqui", que estreia no dia 10, no Rio, no Teatro Vannucci Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Sexta-feira que vem, dia 10 de junho, cinéfilos do planeta todo hão de celebrar os cem anos de Judy Garland (1922-1969). E uma das contribuições do teatro brasileiro à festa é a estreia do novo espetáculo de Flávio Marinho, o musical "Judy - O Arco-Íris é Aqui", no Teatro Vannucci do Shopping da Gávea. Entre comentários sobre a caspa de Shirley Temple (1928-2014) e aforismos capazes de fazer tremer bigodes nietzschianos ("O amor nem sempre é o bastante"), a peça tem potencial pra fazer chorar o mais empedernido dos corações. E o faz no esmeril da saudade. Esmeril esse onde Marinho afia a navalha de uma das obras que se torna cada vez mais sólida, depois de 35 anos sob as ribaltas, na observação da resignação, da resiliência e da resistência. A frase "Sempre tem um mas...", dita aos 45 minutos do segundo tempo de uma partida espartana contra o Tempo, assina a autoralidade do dramaturgo carioca. Seus textos sempre olham para instituições, sejam elas a família ("Irmãozinho Querido"), a arte ("Cauby, Uma Paixão") ou o dia a dia ("Abalou Bangu"), buscando senões. O "senão" na trajetória de Judy vem da desmesura, ora da própria menina que acalantou o mundo em "O Mágico de Oz" (1939), ora do viver, um bichinho por vezes cruel. Marinho bebe da fonte do escritor Jean Anouilh (1910-1987) a máxima de que: "Existe o amor, é fato; mas existe, a vida, sua inimiga". Essa é a Judy que Marinho nos dá, ao retomar uma parceria com a atriz de seu seminal "Um Caminho Para Dois" (2005). Uma atriz em erupção vulcânica que se chama Luciana Braga. O que os dois fazem não é mimese. Não é jogo de imitação. É um processo de coautoria, de simbiose. O par alcança um transbordamento em algo que se propõe a ser não uma aproximação mimética de La Garland, como fez (belamente) Renée Zellweger em "Judy: Muito Além do Arco-Íris" (2019). É, sim, uma conversação com um mito do audiovisual. Conversação essa que desnuda imperativos, separando loba, rainha e mulher, desnudando a coroa e deixando exposta uma humanidade em seu estado mais cru. Na ouriversaria da palavra, Marinho monta um puzzle de biografia primoroso, conjugando fatos de maneira poética, sem didatismos, levando a plateia a acompanhar a ascensão e o ocaso de uma diva. Na ouriversaria da interpretação, Luciana - cantando para além do diafragma, numa orquestra em que rins, fígado e pâncreas viram seus sabiás - faz uma inteligente imolação de si, empregando suas próprias vivências. É uma autoficção, com informações de sobra para satisfazer os desejos de fãs de cinema afoitos pela diva. E é também um manifesto em prol da tolerância, uma vez que Luciana e Marinho trançam a história de Judy com as lutas dos movimentos LGBTQIA+, num movimento ético que faz desse lindo espetáculo - com ensaios abertos no Rio, nos dias 8 e 9 - a maior diversão. Liliane Secco e e André Amaral pilotam a música nesse ato de reverência ao Sagrado do Cinema.

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