Sua Cabíria não é da (dita) "vida fácil", como a de Fellini, mas sim dos grilhões do acaso, como a Cabíria filmada por outro italiano, Giovanni Pastrone, na Itália de 1914 - 31 anos antes do neorrealismo -, sempre à espera de um Maciste para lhe salvar da sofreguidão e do abuso alheio. Arejado pela gargalhada e pela leveza, o mundo em que Maria do Caritó assume seus votos de Cabíria, como uma doce Charity num musical de autorreinvenção, também fala de abusos, só que de uma maneira brasileira. É um filme de jornada - no encontro... e na futura vivência... da paixão se dá a redenção da heroína - mas é também um filme cerzido no arame farpado do debate. Um debate sobre a pele de cacto que o Sertão dos coronéis tornou-se, no torvelinho da História... a nossa. Por isso, na transposição de peça em filme, os diálogos de flor na boca de Moreno foram se amalgamando com as reflexões sobre a dimensão discursiva dos campos narrativos feitas pelo mestre José Carvalho, um estudioso das unidades de ação do storytelling. Os dois assinam esse roteiro, que assume o feminino como caule, mas utiliza antropocentrismo com pétala: pouco a pouco, em suas andanças, Maria se descola do ato de contrição para ralar os joelhos no milho do viver livre.