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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Caritó, Cabíria de um velho novo Brasil

Rodrigo Fonseca Cabíria dos cafundós, defendida pela Giulietta Masina das novelas das 21h do Brasil, Maria do Caritó tem, sob seu nome de santa pura, um véu de Fellini e uma corola de Suassuna, ambas vestidas por Lilia Cabral no desacerto que vira acerto: no oco do amor que faz brotar o riso. Assim é o longa-metragem, rodado nas Gerais de Rosa com prosódia de Sertão armorial, que estreia nacionalmente em 31 de outubro, o Dia das Nações Unidas, falando o esperanto sertanejo da resiliência. Sua base é a dramaturgia com melaço de cana de Newton Moreno, em um espetáculo que virou hit nos palcos nacionais. Há, em sua brejeira protagonista, uma Shirley Valentine de Deus, uma reinvenção dos arquétipos da mocinha, da carpideira, da beata que chora aos pés de Santo Antônio pelo objeto pontiagudo chamado amor. É uma reinvenção similar à que Moreno fez no palco com "Agreste" (2004), dilacerando códigos de gênero sexual, ou em "A refeição" (2007), espicaçando o "lobo do homem". Todos os seus textos se estruturam por figuras no limiar entre a ilusão e ignorância, apegados a uma para se aliviarem da outra. Sua Caritó, (bem) desenhada em filme (com cores de cartum) pelo diretor João Paulo Jabur, sofre desse difrúcio afetivo, entupida com a coriza de uma religiosidade que entorpece sua necessidade de prazer.

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

Sua Cabíria não é da (dita) "vida fácil", como a de Fellini, mas sim dos grilhões do acaso, como a Cabíria filmada por outro italiano, Giovanni Pastrone, na Itália de 1914 - 31 anos antes do neorrealismo -, sempre à espera de um Maciste para lhe salvar da sofreguidão e do abuso alheio. Arejado pela gargalhada e pela leveza, o mundo em que Maria do Caritó assume seus votos de Cabíria, como uma doce Charity num musical de autorreinvenção, também fala de abusos, só que de uma maneira brasileira. É um filme de jornada - no encontro... e na futura vivência... da paixão se dá a redenção da heroína - mas é também um filme cerzido no arame farpado do debate. Um debate sobre a pele de cacto que o Sertão dos coronéis tornou-se, no torvelinho da História... a nossa. Por isso, na transposição de peça em filme, os diálogos de flor na boca de Moreno foram se amalgamando com as reflexões sobre a dimensão discursiva dos campos narrativos feitas pelo mestre José Carvalho, um estudioso das unidades de ação do storytelling. Os dois assinam esse roteiro, que assume o feminino como caule, mas utiliza antropocentrismo com pétala: pouco a pouco, em suas andanças, Maria se descola do ato de contrição para ralar os joelhos no milho do viver livre.

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