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'Bonga, o Vagabundo', o Chaplin trapalhão, faz 45 anos

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
"Bonga, o Vagabundo" Foto: Estadão

Lá se vão 45 anos desde a estreia de Bonga, o Vagabundo (1971), filme que traz o trabalho de interpretação mais livre - e de maior risco - de Renato Aragão em uma fase anterior ao programa dominical mantido por ele Dedé Santana, Mussum e Zacarias na TV Globo. É um filme de exceção numa filmografia extensa, que ganhou, há bem pouco, uma contribuição preciosa com a publicação do obrigatório livro O Cinema dos Trapalhões - Por Quem Fez e Por Quem Viu (editora Laços), de Rafael Spaca. E qualquer mergulho numa obra como a de Aragão libera uma nostalgia adocicada, que pode ser sintetizada numa quadrinha mítica, dita pelo ator num outro (e igualmente inesquecível longa-metragem): "Vamos todos pensar firme/ Vamos todos pensar forte/ Pra cair um pingo d'água/ E mudar a nossa sorte".

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Foi com essa arma que Renato Aragão (vestido de Didi) enfrentou a condição trágica do Sol que seca a terra no Nordeste de Os Trapalhões e o Mágico de Oróz (1984), um dos 48 filmes feitos por ele em 51 anos de cinema. Ali, ele ainda adiciona ao sonho a farinha da perseverança: "Todos nós temos medo, mas coragem, não... Coragem a gente a gente aprende a ter". Na rapadura que surgiu daí - da mistura entre circo e piada, no stand up do improviso feito pelo fã de Oscarito que trocou o Direito, no Ceará, por uma vaga no picadeiro do audiovisual -, um grande ator despontou, com base nas ferramentas do improviso no diálogo e na experimentação acrobática no espaço. Verbo e corpo. That's Aragão.

Mas Bonga, o Vagabundo não é uma brincadeira de Dorothy, até porque o filme traz em si uma outra estrada de tijolinhos amarelos (alguns deles sujinhos de poeira. Ele é uma brincadeira à la Chaplin, tendo como seu diretor Victor José Lima (1922-1980), ex-crítico da Cena Muda, responsável pela direção de fitas imprescindíveis como Chico Fumaça (1956) e É de Chuá! (1957).

Distribuído à sua época pela companhia Produções Cinematográficas Herbert Richers S.A., o longa traz um dos personagens mais importantes da carreira de Aragão: o malandro de rua Bonga, um herói pícaro maltrapilho, cuja esperteza para dar golpes é equivalente a seu carinho para dar afagos aos desvalidos. Ali estão elementos que influenciariam - nos anos seguintes - na consolidação da figura de Didi Mocó. Na trama, Bonga tenta ajudar um amigo a encontrar uma noiva e satisfazer os desejos do pai do jovem, que quer ver seu filho casado. Mas, o golpe armado por Bonga vai envolver sua grande paixão, complicando os planos afetivos deste nosso Carlitos. No elenco estão Maria Cláudia, Neila Tavares, Jorge Dória, Ronaldo Canto e Melo e Orlando Drummond, um dos maiores dubladores do Brasil.  A fotografia é de Antônio Gonçalves e a música traz composições de Sérgio Dizner. Sua bilheteria foi de 939.790 ingressos vendidos.

Seu lançamento se dá em uma época de ressaca cultural para o país, pois, três anos antes o AI-5 chegou e se instaurou, batendo na porta da Liberdade de Expressão para desabrigá-la, ferindo nossa Democracia, em prol dos interesses da Ditadura. Naquele momento, o Cinema Novo esbarrava na névoa cor de chumbo levantada pela repressão. Nosso CN tomou rumos diferentes, após o sucesso absoluto de Macunaíma (1969), diluindo-se como movimento. No mesmo lençol de meia-nove deitou-se a pornochanchada, revelada ao povo brasileiro a partir do êxito de bilheteria de Os Paqueras (1969), de Reginaldo Faria. Dali para frente, até 1985, a comédia erótica penetraria, sem necessidade de preliminares, no imaginário cinéfilo nacional.

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Neste cenário, onde se padece de uma certa derrota utópica e se goza da euforia dos filmes de sexo, Bonga, o Vagabundo surge como uma espécie de caminho do meio, abrindo uma rota chapliniana, no qual o riso podia vir dissociado das mazelas políticas e das incontinências hormonais comportamentais. Era um riso mais doce, sem "carregos", que ajudou a pavimentar a estrada na qual, nas duas décadas a seguir, Aragão reinaria soberano com seus Trapalhões na venda de ingressos.

É, portanto, uma joia do riso, cujo valor merece ser reavaliado, com justiça. Com graça.

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