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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

Best-seller de Cristovão Tezza ganha as telas pelas raias da delicadeza

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Débora Falabella e Marcos Veras vivem um casal em 'O Filho Eterno': Première Brasil exibe o longa de Paulo Machline  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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Lágrimas regaram as poltronas do Cine Roxy, em Copacabana, na terça, quinto dia de Première Brasil, ao longo da projeção de O Filho Eterno, um diálogo do cineasta Paulo Machline (O Natimorto) com o best-seller homônimo do paranaense Cristóvão Tezza. Confeccionado sob a grife da RT Features (a produtora brasileira de maior visibilidade hoje em solo internacional, com sucessos como A Bruxa e Frances Ha), o filme põe o humorista Marcos Veras fora de seu habitat natural, fazendo a plateia soluçar na pele de Roberto, um professor de Literatura e escritor surpreendido pela notícia de que seu bebê recém-nascido é uma criança com Síndrome de Down. Veras é, a um só tempo, a voz (narradora) e o corpo em chagas (internas) deste drama que flerta - bem de longe - com o devastador As Chaves de Casa (2005), do italiano Gianni Amelio.  Neste ano de atuações de grande vigor entre as mulheres, vide a apoteose de Karine Teles em Fala Comigo e a balalaica afinada por Martha Nowill e Maria Manoella em Vermelho Russo, a mineira Débora Falabella se junta a elas, com uma interpretação de fechar a glote na pele da jornalista Cláudia, a mulher de Roberto e mãe do pequeno Fabrício, vivido por Pedro Vinícius entre os nove e os 14 anos do personagem.

Dono de um estilo em mutação, do qual o traço autoral mais aparente é a aposta em protagonistas notórios por alguma excentricidade ou algum talento sobre-humano, vide Trinta (2014) ou o curta indicado ao Oscar Uma História de Futebol (2000), o diretor Paulo Machline gravita aqui nas franjas da literatura, não apenas na alusão quase autobiográfica de Tezza no livro, mas na busca obcecada de Roberto em ser um grande escritor. A utilização de imagens de arquivo futebolísticas, sobretudo as cenas de Copas do Mundo, são empregadas na narrativa num jogo de montagem habilidoso, capaz de acentuar a tensão em torno das escolhas do aspirante a Faulkner e de sua incapacidade de driblar o próprio preconceito.

"Curumim": .doc contra a violência institucionalizada  Foto: Estadão

Muita gente chegou cabisbaixa à sessão de O Filho Eterno - alguns até com coloração "verde náusea" no rosto - sob o impacto do mais polêmico (até agora) documentário em concurso na Première deste ano: Curumim, de Marcos Prado, que chegou precedido dos melhores elogios do Festival de Berlim. Com uma estrutura narrativa investigativa capaz de embatucar certezas e morais, o filme registra o drama do surfista, chef e traficante brasileiro Marco Archer, fuzilado na Indonésia em janeiro de 2015, depois de mais de uma década preso por posse de drogas. Sua montagem tensa dribla o fato de já sabermos o destino final do personagem a partir de uma abordagem panorâmica de seu dia a dia no cárcere e de seu passado de glórias em asas deltas e em praias do mundo todo. Mais do que ser a crônica de uma morte anunciada, o novo longa do diretor de Estamira (2004) é um pleito contra a pena capital, do qual não se sai indiferente, nem anêmico. A produção forma com Divinas Divas, de Leandra Leal, e com o stallônico A Luta do Século, de Sérgio Machado, um triunvirato de peso na amostragem parcial do que existe de mais vívido em termos documentais no país. E, no Roxy, causou comoção - assim como se deu na Berlinale - a cena em que Prado encena a execução de um prisioneiro nos moldes do que houve com Archer. Seu trabalho virou "a" aposta para o troféu Redentor de direção da seara de não-ficção. E merecidamente.

 

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