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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Bagdá vive em mim' e nos arrebata nas telas

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
O poeta Taufiq Jasim (Haitham Abdel-Razzaq) desabafa suas inquietações em forma de versos em "Bagdá Vive Em MIm" Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Que excepcional surpresa, egressa do Festival de Locarno de 2019, arraigada na cultura de êxodo do Iraque, aterrissou neste fim de semana em circuito brasileiro: o drama "Baghdad In My Shadow", aqui traduzido como "Bagdá Vive Em Mim". Tem sessão dele, no RJ, lar do P de Pop, no Cine Santa Teresa, às 17h; no Espaço Itaú (15h40, 17h40, 19h40); Estação Net Gávea (14h15 e 18h55); Estação Net Rio (14h50 e 18h55); e Kinoplex Fashion Mall (20h40). Um dos mais prolíficos documentaristas da Suíça, Samir (cineasta conhecido só pelo prenome, nascido em terras iraquianas, em 1955, radicado em Zurique desde 1961, onde encabeça a Dschoint Ventschr Filmproduktion) nos dá um dos roteiros mais sofisticados dos últimos anos, atacando várias moléstias morais de nosso tempo (sexismo, racismo, fanatismo) numa só tacada. É um delicado (e doído) painel de personagens egressos do Oriente Médio e radicados em Londres, unidos pela frequência a um bar, o Café Abu Nawas, onde imigrantes se reúnem para festejar recordações da utopia socialista, cantar músicas de suas pátrias e comer iguarias orientais. Assumindo como ponto de partida a investigação policial de um assassinato, a trama guiada por Samir (respeitado pelos .docs "Forget Baghdad" e "Iraqi Odyssey") vai e volta no tempo, esgueirando-se por diferentes núcleos de personagem, todos unidos pela bestialidade de um líder fundamentalista, o (suposto) sheik Yassin (Farid Elouardi). Este fomenta ódio entre jovens do Islã, desrespeitando a própria religião, em prol de um projeto de poder imposto pela força. De cara, sabemos quem é a vítima do crime, o adido cultural do Iraque Ahmed Kamal (Ali Daim Mailiki), e quem o esfaqueou, o poeta Taufiq Jasim (Haitham Abdel-Razzaq, em estonteante atuação). O que não sabemos são os motivos (ainda que indefensáveis, por ceifarem uma vida) e nem as circunstâncias racistas, machistas e homofóbicas que rondam a indigesta figura de Kamal. Com um domínio pleno das ferramentas do drama político, esquivando-se do folhetim, numa estrutura muito parecida com a usada pelo teuto-turco Fatih Akim em "Do Outro Lado" (2007), Samir vai esmiuçando os vértices que dão alma e carne a esse poliedro criminal, movido pela sombra de Yassin. Um deles é a história da arquiteta Amal (Zahraa Ghandour, impecável em cena), obrigada a se reinventar na Inglaterra como garçonete, ao fugir de seu Iraque natal. Um Iraque que regressa fantasmagórico atrás dela quando ela ensaia um romance com o britânico Martin (Andrew Buchan). Outra história de amor acossada por ranços do fundamentalismo é a paixão entre o técnico de TI Muhannad (Waseem Abbas) e seu namorado europeu Sven (Maxim Mehmet).

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Com uma precisão de ourives, a montagem de Jann Anderegg une todas as linhas desse novelo sem deixá-lo embolar, criando uma comédia humana a um só tempo particular e universal. A fotografia de Alfredo de Juan, The Chau Ngo é sempre dessaturada, oscilando entre tons de bege, marrom e sépia, galvanizados pela chuva londrina. É um mundo onde a vida só viceja nas paredes do Abu Nawas, entre goles de chá, baforadas em cigarros, no suor do sexo e nos versos de Taufiq.

p.s.: Tem um filmaço neste "Supercine": o cult "Spring Breakers: Garotas Perigosas", thriller indicado ao Leão de Ouro de 2012, que repaginou a carreira do realizador Harmony Korine ("Gummo"). Na trama, as jovens Candy (Vanessa Hudgens), Faith (Selena Gomez), Brit (Ashley Benson) e Cotty (Rachel Korine) assaltam um restaurante para poderem juntar dinheiro e tirar férias na praia durante a primavera norte-americana, num período conhecido como spring break. No local, elas se envolvem em confusões e acabam presas. Na delegacia, conhecem um criminoso barra pesada que se encanta por elas e tenta convencê-las a integrar seu grupo. James Franco rouba a cena do longa, como um malandrão cheio de estilo. A sessão é à 1h.

p.s.2: Tem debate neste sábado, às 16h30, no Estação Net Rio, do melhor filme brasileiro do ano: "Um Animal Amarelo", de Felipe Bragança. Conversam com o público os atores Digão Ribeiro, Higor Campagnaro e Matheus Marcena e o diretor de casting Giovani Barros. É um estudo sobre os ranços coloniais do país, a partir da viagem de um jovem cineasta por terras lusófonas. Isabél Zuaa tem uma atuação memorável em cena, coroada com o Kikito de melhor atriz, em 2020.

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