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De antena ligada nas HQs, cinema-pipoca, RPG e afins

'Através da Sombra' é um exercício de elegância no terror nacional

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Virginia Cavendish tem atuação impecável no novo longa de Walter Lima Jr.  Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA Antigos espíritos do Mal transformam a moral decadente de uma fazenda de café de um Brasil em vias de Modernidade, em 1930, num terreiro de verdades incendiárias, de assombrações metafísicas e de viradas de roteiro que suspendem nosso fôlego em Através da Sombra, releitura de Walter Lima Jr. para a novela sombria A Volta do Parafuso (1898), de Henry James (1843-1916). Às vésperas de sua estreia, o filme, que chega às telas neste fim de semana, recebeu menção honrosa no Rio Fantastik Film Festival por sua excelência no exercício do medo.

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Mito do Cinema Novo, responsável por um banho de descarrego audiovisual chamado A Lira do Delírio (1978), o diretor de cults como A Ostra e o Vento (1997) arranca de Virginia Cavendish uma atuação memorável ao narrar o mergulho de uma professora em um ambiente povoado por forças das trevas, no qual duas crianças são assombradas por entidades malignas. O que existe de mais precioso neste thriller sobrenatural - num momento histórico de namoro do cinema nacional com o terror e o suspense, na busca pela afirmação de filmes de gênero como um produto de mercado rentável - é o domínio preciso que Lima Jr. tem das bases narrativas do horror como cartilha cinematográfica. Isso se faz expressar (e entender) no clima de mistério que rege a interação dos personagens residentes naquela calunga em forma de lavoura com a "estrangeira", a educadora que vem para debelar quizilas, como uma heroína.

 

Pedro Farkas assina a fotografia  Foto: Estadão

Desde a consolidação do terror moderno, tendo como um de seus marcos Sangue de Pantera (1942), de Jacques Tourneur, as mulheres sempre tiveram um protagonismo heróico no filão, mesmo em filmes nos quais há, nelas, uma condição passiva inicial. Estetizou-se ainda na década de 1940 que só a sensibilidade e a intuição femininas poderiam desvelar a Maldade espiritual, tirar a máscara de transcendência de um horror sem corpo. Essa mesma operação se faz presente na luta de Laura (Virginia, em um desempenho comovedor) para entender a gênese das angústias da pequena Elisa (Mel Maia), a quem foi contratada para educar. Uma dimensão detetivesca se instaura no longa-metragem conforme a educadora se sente impelida a investigar os segredos que todos parecem alimentar naquele casarão, para onde foi contratada por um homem que mexe com seus desejos, Afonso (Domingos Montagner, em sua última aparição nas telas).

 Foto: Estadão

Conforme Laura vai levantando a poeira instalada naquela fazenda, sobretudo a poeira de traumas familiares, o Mal que antes era espectral e anônimo começa a ganhar nomes e carne, ao mesmo tempo em que ela vai se conscientizando da evidência efetiva de forças do Além. Essa constatação desafia sua razão, mas convida o público a mergulhar numa ciranda de signos pouco comuns ao cinema brasileiro, conduzidas com elegância pela fotografia (nunca saturada) de Pedro Farkas.Cotação: Ótimo

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