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'A Ternura': a excelência de Gianni Amelio na TV

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Gianni Amelio (de chapéu) dá instruções à atriz Micaela Ramazzotti e ao diretor de teatro e ator Renato Carpentieri no set de "A Ternura" (2017): sexta, às 17h, na HBO Foto: Estadão

Rodrigo Fonseca Disponível no cardápio streaming da HBOGo e previsto para ser exibido na HBO a cabo nesta sexta, às 16h20, "La Tenerezza", traduzido aqui como "A Ternura", passou batido pelo circuito de cinema como vem acontecendo, sucessivamente, com a obra de Gianni Amelio, realizador calabrês de 75 anos com um currículo invejável. Ganhou o Leão de Ouro de Veneza em 1998 com "Assim É Que Se Ria" e conquistou o Grande Prêmio do Júri de Cannes, em 1992, com o belo "O Ladrão de Crianças". Por aqui, seu "As Chaves de Casa", laureado com quatro prêmios em solo veneziano em 2004, fez chorar oceanos nas salas do circuito avesso ao cinemão. De sua lavra aqui ainda vimos (em DVD) o formidável drama "La Stella Che Non C'è" ("A Estrela Imaginária", 2006), com um operário (Sergio Castellitto) que viaja da Itália a China a fim de consertar uma peça deficitária, egressa de sua indústria. Vimos ainda, em festivais como o do Rio, o delicado "Felice Chi È Diverso", .doc de 2014 sobre a resiliência de quem sai do armário em mundo ainda assolado pela homofobia. Curiosamente dali pra diante, a carreira do diretor caiu num certo ocaso em sua relação com a mídia e mesmo com as grandes mostras do Velho Mundo. Seu trabalho mais recente, "Hammamet", com Pierfrancesco Favino, acabou sem espaço na Berlinale ou em outras vitrines competitivas, tendo sido lançado em telas italianas em janeiro, sem muito alarde, enquanto o país se deliciava (e com razão) com "Pinóquio", de Matteo Garrone. Só nas imediações do Mar Adriático é que sobrou espaço para "A Ternura" disputar troféus, no Festival de Bari, em 2018, de onde saiu com os prêmios de melhor filme e ator, para Renato Carpentieri, um importante diretor de teatro. Este, numa performance impecável, ainda papou outras estatuetas, como o David di Donatello, o Oscar da Itália. Na trama que Amelio tomou emprestado da literatura de Lorenzo Marone (do best-seller "La Tentazione Di Essere Felici"), Carpentieri vive um advogado napolitano misantropo, com um passado de porta de cadeia que tornou seu nome famoso nas delegacias de seu país. Aposentado, o jurista - cujo nome é Lorenzo, como o de Marone - vai passar por um rito de afetividade quando conhece uma jovem vizinha cheia de problemas domésticos, Michela (Micaela Ramazzotti, que esbanja inteligência em sua composição). O marido dela, Fabio (Elio Germano, "o" ator italiano), é um profissional bem-sucedido, mas um pai e um esposo problemático, assolado por conflitos psicológicos que descambam para uma violência trágica. Numa sequência de gelar espinhas, ele esculhamba brutalmente um imigrante africano que trabalha como ambulante, apenas pela insistência do mascate em vender sua mercadoria. Os berros de Fabio refletem a análise crítica que Amelio (sempre) faz da exclusão social. Mas este debate, sempre cozido em fogo alto na montagem de Simona Paggi, triangula sua importância na trama não apenas como trajetória de humanização de Lorenzo: há ainda um enredo paralelo da luta dos filhos do velho advogado, o protagonista, para tentar entender seu azedume natural. É onde entra a sempre impecável atriz Giovanna Mezzogiorno. O clima de folhetim que ela galvaniza - como a filha que não perdoa o pai ausente - ganha um colorido elegante, sem excessos na fotografia de Luca Bigazzi, parceiro habitual de Paolo Sorrentino.

 Foto: Estadão

Plasticamente requintado e emotivamente descabelado, "A Ternura" comprova a maturidade de Amelio na direção e sua habilidade de jamais deixar descambar uma narrativa seja para o tédio, seja para o vazio. Existe dor o bastante ali para alimentar debates morais e arrancar rios de lágrimas, afirmando o talento trágico de Carpentieri como ator. Pena Amelio ter sido tão subestimado em sua nação e em seu continente. Tem mais uma sessão deste belo longa, na HBO, no dia 26, às 19h.

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Brilhante, como sempre, no papel de Fabio, Germano foi um dos destaques do Festival de Berlim deste ano, de onde saiu com o Urso de Prata de melhor ator por sua interpretação devastadora em "Volevo Nascondermi", no papel do pintor Antonio Ligabue. Ele ainda brilhou em "Favolacce", que saiu da Alemanha com a láurea de melhor roteiro.

p.s.: Sensação pop na Berlinale, o saboroso "Dois Irmãos - Uma Jornada Fantástica" ("Onward"), um dos melhores filmes da Pixar em anos, já está na grade do Now, uma vez que o coronovírus deu um olé em sua carreira comercial. A direção é de Dan Scanlon, que recria de maneira original a vida nos subúrbios dos EUA. Scanlon contou com dois astros associados aos dois últimos tomos da franquia "Vingadores" em seu elenco de vozes: Tom Holland (o atual Peter Parker, aka Homem-Aranha) e Chris Pratt (o Senhor das Estrelas, ou Starlord, dos Guardiões da Gláxia). Holland dá a voz ao franzino Ian, que cresceu sem conhecer o pai, morto quando ele ainda era um bebê. Barleu (Pratt) é um grunge deslocado no tempo que conviveu com seu papai pouquinho. Os dois sentem falta dele, mas vivem cercado de acomodação em uma dimensão mágica na qual criaturas como fadas, trolls e o povo élfico prefere lâmpadas elétricas e ônibus lotado a apelar para feitiços de voo ou de evocação de bolas de fogo. Mas o surgimento de um cajado capaz de devolver os mortos a vida vai mobilizar esses manos radicalmente diferentes, que roncam os motores da Guinevere para singrar as estradas. A mãe deles (dublada por Julia Louis-Dreyfus) fará de tudo pra encontrar seus rebentos antes que eles se metam em uma maldição ligada ao poder do cetro enfeitiçado. E ela vai arrastar uma dona de bar, Manticore (numa hilária atuação de Octavia Spencer), pelo caminho consigo.

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