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'A Noite do Triunfo': de Cannes para o Brasil

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Por Rodrigo Fonseca
Atualização:

RODRIGO FONSECA Ovacionado em sua passagem pelo Festival de Cannes de 2020, que foi realizado de modo pocket, em apenas três dias, por conta da pandemia, "Un Triomphe" ganhou data de estreia no Brasil: vai ser lançado por aqui ela Imovision no feriado de 21 de abril com o (felicíssimo) título de "A Noite do Triunfo". Enfim o público brasileiro vai conferir o show de atuação do humorista Kad Merad pelo meridiano da dramédia. É um roteiro delicado, que celebra a força do teatro. Sua bilheteria na França foi de 305 mil pagantes, coroada por adjetivos como "Inteligente e inspirador", conquistada na "Marie Claire" e "O filme é impecável", colhida nas páginas da "Paris Match". Aliás, há uma boataria de que Merad vai ser jurado em Cannes este ano.

Pelas contas do Allociné, o maior banco de dados do audiovisual europeu, Merad conseguiu num único filme, "A Riviera Não É Aqui" ("Bienvenue chez les Ch'tis", 2008), vender mais ingressos (foram 20.328.052 tíquetes só na França) do que muitos astros hollywoodianos de prestígio venderam em toda sua carreira. Fez ali um fenômeno que parou sua pátria, bem antes de "Intocáveis" (o campeão de bilheteria mais badalado na terra de Truffaut) aparecer, em 2011. No humor do Velho Mundo, o ator argelino é um rei, sendo lembrado por aqui pelo papel do pai de "O Pequeno Nicolau" (2009). Só que Merad pode ir além do kakakaka e meter gols na seara da tristeza, como presenciou-se na noite desta terça, no Palais des Festivals de Cannes, que estendeu seu tapete vermelho para uma versão pocket da maior maratona cinéfila do planeta. E Merad veio à frente dela. Seu "A Noite do Triunfo" é o chamado "few good movie", termo aplicado a narrativas analgésicas, conectadas à ideia de superação. A direção é de Emmanuel Courcol (de "Welcome - Bem-vindo"), que parte de um fato real do fim dos anos 1980 para construir um delicado mergulho na cena do teatro carcerário, explorado com êxito (e Urso de Ouro) pelos Irmãos (Paolo e Vittorio) Taviani em "César Deve Morrer". E Merad deve (e vai) ser recompensado com os louros da crítica e do afeto popular por um esforço de ir além de sua dimensão clownesca, num diálogo com Samuel Barclay Beckett (1906-1989).

 

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Prêmio Nobel e ícone do Absurdo, Beckett soube, antes de morrer, que uma trupe de teatro formada por presidiários, que encenava seu "Esperando Godot", fugiu da casa de espetáculos pouco antes da apresentação, deixando seu diretor em suspenso. E a Justiça estava lá, na toga de representantes do Judiciário, para avaliar aquela tentativa de inclusão. No filme conduzido com sobriedade por Courcol, essa história é revisitada a partir do périplo do ator e encenador fracassado Étienne Carboni, vivido por Merad, para trancafiar a má sorte nas grades de sua alma e alforriar a alegria de viver há muito perdida. Existe, no longa-metragem, um tom de bons sentimentos e boas ações à la "Intocáveis" (2011) e um clima We Are The World de "Patch Addams" (1998). Mas é uma tonalidade que perde tinta conforme conhecemos o mundo dos detentos e o universo interno, fraturado, de Étienne. É uma composição delicada da derrota e da busca pela redenção, por um homem que, na casa dos 50 e muitos, vê a sua juventude ficar para trás.

p.s.: O cult "Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio" ("Evil Dead", 1983), de Sam Raimi, está se despedindo da grade da HBO Max. Mas quem correr lá ainda pode ver essa joia. E é um prazer mergulhar em suas sombras Rodado ao custo de "duas mariolas" (cerca de US$ 350 mil) perto dos valores gastos mesmo em filmes de baixo orçamento dos EUA, nos anos 1980, esta aula de artesania na movimentação da câmera e na manipulação de objetos transformou o curta-metragista Sam(uel Marshall) Raimi numa grife do horror e da fantasia. E isso ocorreu anos antes de ele assumir a direção da franquia "Homem-Aranha" (2002-2007), com Tobey Maguire, tornando-se um pilar do pop. Seu estilo elétrico, com mil reviravoltas por minuto, sacudiu os padrões do terror americano, já chacoalhado pela estreia de "Halloween" (1978), de John Carpenter. Mas a maneira de Raimi filmar era algo anárquico, incorporando a pobreza de recursos como uma estética de estranheza. E ele ainda lançou o ator Bruce Campbell, seu divo, no papel de Ash. Na trama - que foi reciclada pelo próprio cineasta, com alguns dólares a mais, em "The Evil Dead II", de 1987 - um grupo de jovens libera um diabo incontrolável na Terra ao ler o "Livro dos Mortos".

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