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'600 Milhas': Filme mexicano é favorito ao Oscar latino dos estreantes

Por Rodrigo Fonseca
Atualização:
Tim Roth é um agente dos EUA refém de um jovem na fronteira do México em "600 Milhas", um dos concorrentes ao prêmio Platino Foto: Estadão

RODRIGO FONSECA

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PUNTA DEL ESTE, Uruguai - Laureado no Festival de Berlim de 2015 com o prêmio de melhor filme de estreia, o thriller social e político de DNA mexicano 600 Milhas (600 Milles) pode repetir a dose de vitória neste domingo, dia 24, na cerimônia de entrega do troféu Platino, em solo uruguaio. O evento mobiliza a cidade de Punta Del Este com um porte de Oscar da América Latina, tendo o longa-metragem de Gabriel Ripstein como o favorito à láurea dos estreantes. Há hoje galardões de peso capazes de celebrar a força da América Latina nas telas, como o prêmio Fênix ou mesmo o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, com seu troféu Oscarito. Mas os Platinos chegam não apenas para expandir a celebração da força estética audiovisual do continente como também para incentivar uma integração de toda a indústria de língua espanhola e portuguesa das nações ibéricas, do Brasil e das pátrias hispânicas das Américas: são 23 países reunidos em um projeto cinematográfico comum. E o México tem em Gabriel um representante de uma nova geração, esforçada em buscar novas linhas narrativas no tráfego com o Real.

 

"Houve, nos últimos 15, 16 anos, uma banalização do conceito de realismo, que fica claro quando vemos qualquer reality show na TV: nada é mais ficcional, com um grau de manipulação entre os participantes capaz de superar as artimanhas de personagens de House of Cards", diz Ripstein, em entrevista ao P de Pop em Punta Del Este, num encontro com a imprensa latina ligado à divulgação da entrega dos Platino. "Mas, na medida em que eu me aproximo de questões como a violência diluindo os chavões de gênero inerentes a ela, eu deixo espaço para que a realidade, uma realidade não midiatizada, possa se expressar a partir da relação entre os personagens".

Entrevista com Gabriel Ripstein no Uruguai Foto: Estadão

Sensação do último Festival do Rio, tendo Tim Roth como um agente americano nas garras do tráfico no México, o primeiro longa do filho de Arturo Ripstein - mítico diretor de obras-primas como A Perdição dos Homens, de 2000, e O Evangelho das Maravilhas, de 1998 - subverte a lógica do melodrama ao propor uma reflexão sobre a amizade. Na trama, o jovem Arnulfo (Kristyan Ferrer) é responsável por armazenar armas para um cartel do México, trabalhando a mando de seu tio, ligado a criminosos. Quando um representante do Bureau of Alcohol, Tobacco, Firearms and Explosives (ATF), Hank Harris (Roth) invade o depósito de rifles, pistolas e armas afins onde o rapaz trabalho, ele acaba se descuidando e caindo na mira de Arnulfo. Mas durante uma jornada de quase 600 milhas empreendida pelos dois, a relação entre eles vai além da condição de refém e algoz: nasce um aparente respeito mútuo e um laço de fraternidade, só que sujo de sangue.

"Eu estudei muito Traídos pelo Desejo, do Neil Jordan, para entender a relação que construiria entre Hank e Arnulfo a partir de uma lógica de confiança e traição, sem jamais me deixar levar pelo excesso emotivo, algo que é característico do melodrama, o gênero pelo qual o cinema mexicano é mais identificado. Aqui, esse filão, pelo qual eu tenho absoluto respeito, dá lugar a uma outra referência: o senso de realidade que encontramos em diretores como Michael Haneke e os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne. Eu quero um realismo afetivo como o deles", diz Ripstein, que filmou com base em uma reflexão sobre a política armamentista dos EUA. "Vivi anos lá nos Estados Unidos e percebi o quanto o consumo de armas é importante para eles. Daí nasceu a ideia de construir um road movie em torno das consequências do consumo de armamentos".

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"Ixcanul", o vulcão da Guatemala Foto: Estadão

Fruto de uma sinergia entre a Entidade de Gestão de Direitos dos Produtores Audiovisuais (EGEDA) e a Federação Ibero-americana de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais (FIPCA), a festa do prêmio Platino será realizada na noite deste domingão no Centro de Convenções de Punta del Este, tendo o colombiano O Abraço da Serpente, de Ciro Guerra, e o guatemalteco Ixcanul, de Jayro Bustamante, como campeões de indicações. São 13 categorias ao todo e ambos concorrem em oito frentes cada.

"Existe muita gente filmando na Guatemala, mas não podemos dizer que temos uma indústria e sim que existe um grupo de gente filmando a ferro e fogo, para expressar suas questões. As minhas, neste meu primeiro longa, é retratar a latência da força que vem da terra, da força da mulher", disse Bustamente, em entrevista às vésperas da premiação, ciente de que é o maior adversário de Ripstein no prêmio de melhor filme de estreia com seu caudaloso ensaio sobre afirmação do desejo a partir do drama de uma jovem ameríndia, criada nas cercanias de um vulcão, forçada a se casar aos 17 anos. "No cinema, o termo 'latino-americano' é mais do que um gentílico: é um rótulo redutor que pasteuriza diferentes identidades nacionais. Mas, apesar de termos uma interseção territorial e carregarmos uma herança histórica, nossas filmografias são distintas entre si, tendo na diversidade sua riqueza".

Ricardo Darín em "Truman": homenagem pelo conjunto de uma carreira de sucessos Foto: Estadão

Além dos dois, concorrem na categoria principal, a de melhor filme, os longas: O Clã, de Pablo Trapero (Argentina); O Clube, de Pablo Larraín (Chile); e Truman, de Cesc Gay (Espanha). O Brasil só aparece como coprodutor do argentino Paulina, de Santiago Mitre, indicado aos prêmios de melhor atriz (Dolores Fonzi) e som (Edson Secco). O muso argentino Ricardo Darín concorre como melhor ator por Truman, mas já garantiu para si um troféu-tributo em honra de suas glórias cinematográficas do passado.

"Trabalhar é o que torna o ofício de atuar algo em construção. Não sigo métodos, eu faço", diz Ricardo Darín, que já ganhou o troféu Platino de júri popular por Truman. "Já fiz filmes que ficaram aquém do esperado, mas não me arrependo deles. Eles me deram a oportunidade de buscar algo, eles me representaram uma frente de trabalho. Para alguém que começou a filmar aos dez anos, isso é fundamental. Acreditar que a experiência te preparou para tudo, acreditar que você já sabe o que fazer... isso é um convite a um equívoco".

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