Murilo Busolin Rodrigues
18 de julho de 2020 | 14h00
Michaela Coel, anote esse nome. A roteirista, diretora, produtora e atriz ficou conhecida por ser a protagonista na ótima série Chewing Gum (Netflix), e agora recebe uma nova onda de elogios e aclamação por I May Destroy You (HBO). Um trauma pessoal transformado em uma produção de brilhar os olhos. Arte.
A série é baseada na vida de Arabella, uma millennial londrina de sucesso que se tornou escritora best-seller após o sucesso estrondoso de seus tweets.
Série I May Destroy You está disponível na HBO
Prestes a encerrar os últimos capítulos de sua nova obra, Bella, que está sendo pressionada por seus agentes, se vê presa em um bloqueio criativo e decide então tirar uma hora para sair com alguns amigos – diversão essa que ultrapassa os 60 minutos, incluindo muitos shots e cocaína.
Em flashs fragmentados durante todos os episódios, Arabella descobre que drogaram sua bebida e que a estupraram enquanto estava inconsciente. Vítima do que é popularmente conhecido como Boa noite, Cinderela.
Na base de um roteiro aguçado para ninguém botar defeito, Bella, ao lado de seus amigos Terry Pratchard e Kwame (que também sofre abuso sexual após um encontro em aplicativo), passa a questionar tudo e todos em sua volta após o ocorrido.
Michaela Coel afirmou em entrevistas que o início da produção foi totalmente inspirado em uma infeliz experiência pessoal. Coel escrevia incansavelmente por mais de 40 horas para a já cancelada Chewing Gum e decidiu tomar alguns drinques com um amigo. Quando voltou para sua mesa de trabalho, teve flashs com um homem desconhecido, ao mesmo estilo do que ocorreu com Arabella.
A roteirista afirmou que tentou vender o projeto para a Netflix, mas que, no acordo proposto, ela não teria direito algum sobre a obra. Ela procurou a BBC, que não pensou duas vezes em conceder total liberdade criativa e os direitos autorais para que a produção autobiográfica fosse realizada da maneira que Michaela desejasse.
Apesar de tratar de um tema denso, a série é construída de maneira fascinante, e prende facilmente ao longo dos 30 minutos de cada episódio, sem deixar o clima pesado. As diversas formas de abuso sexual são retratadas e discutidas em cenas e diálogos tão reais e naturais que poderiam acontecer (e acontecem) no meu, no seu, no nosso cotidiano.
Preciso ressaltar que a série aprofunda a mesma densidade no universo LGBTQIA+, onde a prática dos abusos é constante e pouco retratada em grandiosas produções.
A hipersexualização da mulher negra, a trilha sonora para lá de eclética e a retratação perfeita do tom irônico com que os millennials lidam com a vida adulta são alguns dos outros pontos de destaque do drama, que recebe várias pinceladas de humor ao longo dos 12 episódios.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.