Já me acostumei com isso.
Este moleque seduz, encanta.
Dona Gilda, minha empregada, ligou à noite para perguntar se ele estava bem.
Nunca me ligou à noite para perguntar se eu estava bem.
Ultimamente, quando vem algum repórter aqui me entrevistar, sempre abre a matéria citando o gato que o recepciona.
Quando toca o interfone, ele saca que tem novidades e fica na porta, esperando para seduzir, conversar, trocar carinhos, com seus olhos cor de mel, sua cara de vira-lata gente boa.
Na minha aula de francês, ele fica na mesa, conosco, aprendendo também.
Em leituras de peças na sala, fica ele entre os atores, com um olhar crítico.
Na massagem, quer participar. Enquanto recebo nas costas no toque impiedoso das mãos de uma ayurvedica, ele passeia sobre mim.
Tá bom, vai.
Apesar de castrado.
Ele está bem.
Um pouco triste.
Tiraram um pouco da sua virilidade.
Anda pela casa se esbarrando em tudo, com esta aba na cabeça.
Me olha se perguntando o que fizemos com ele.
Quero ver o dia que eu estiver com uma aba na cabeça, recém-operado, se alguém vai perguntar como estou...
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GERALDINHO era um dos caras mais inteligentes que conheci.
Artista plástico, poeta, provocador, respostas rápidas...
Não andava bem.
Entupido até o talo: depressão, angustias, sem grana, buscando o sentido da vida pelos métodos errados, perambulando pelo COPAN, onde morava, ou no BAR DA DONA ONÇA, de onde não saía.
Amigo das putas, de todos.
Escrevia como poucos.
Ameaçava que se mataria.
Mas aos risos.
Conseguiu, no último domingo.
Sem antes explicar e deixar mensagens a todos.
Anunciou até no FACE, o que poucos acreditaram.
Inacreditável que não o encontrarei mais pelas calçadas do CENTRO.
Quem o conheceu, não se esquecerá deste sorriso.
Sofria, mas nos fazia um bem danado.
Precisamos resgatar seus escritos, para serem eternizados.
Que ele nos enviava, mostrava.
Cronista lúcido da nossa loucura.
Alguém me ajuda.
Fica este vídeo, que ele fez em 1978 [A SITUAÇÃO]:
http://boaro.info/2009/09/geraldo-anhaia-mello-a-situacao-1978