Radiohead é a minha banda de estrada. Não pego uma Dutra sem tê-la estourando nos altofalantes. Combina com a solidão das seis horas de estrada e suas sutilezas, curvas, serras e retões. Ela se encaixa em meus dias tristes e introspectivos- nas paixões mal acabadas, nas noites em que não se quer sair de casa, abrir um livro, atender um telefone.
O cenário- espécie de néos de 15 metros de altura, que mudavam de cor de acordo com os acordes e o clima da música-, a performance impecável e o som eram de arrepiar. Cada um vai dizer: "Puxa, não tocaram Airbag". Eu também não ouvi todas as minhas preferidas. O show começou mesmo no bis (e foram 4), em que eles abriram a mão e concederam: tocaram hits.
Fui com o amigo Paulo Ricardo, e nos lembramos dos Stones, que improvisam, tocam só sucessos, nada conceitual: puro rock and roll. Tem banda que é assim, programa computadores e toca exatamente como nos discos, prefere divulgar as músicas do último CD e eventualmente percebe que tem público à frente. Então, por que fazer um show para mais de 30 mil? Tudo bem, vai...
Comprei o ingresso pela internet no ano passado. Não aguentaria esperar um convite VIP ou me credenciar como IMPRENSA. Depois, eu soube que não tinha área VIP, o que aumentou a minha simpatia pela banda- aquele espaço enorme entre o pagante e o palco, em que se acotovelam os convidados da produção. Nada que pudesse promover um esbarrão a menos de 250 metros entre Dado e Luana, ou o novo namorado de Suzana Vieira, ou o recente eliminado do BBB. Dessa vez, nós, vampiros de promoters, tivemos de colocar a mão no bolso e, como todos os mortais, pagar.
Isso me lembrou um trecho do meu romance mais recente, A SEGUNDA VEZ QUE TE CONHECI, aqui na versão não editada:
Você nunca entendeu a essência da minha crise pessoal, vulgo "ansiedade", doencinha contemporânea e corrosiva: a frustração de um jornalista é incurável, ou, para usar um termo que entrou em moda, está no DNA. Na maioria das vezes, é apurada a notícia que vende. Aderimos à ideologia que agrada ao consumidor. Temos interesses comerciais? Ideais e convicções? Temos. Mas... Tá bom, nossa moral está comprometida pela substância que nos alimenta: o cachê. Nunca me iludi, baby. Mas se o ingresso de um show imperdível está esgotado, eu saco a minha carta na manga, ou melhor, minha carteira de jornalista do bolso, a minha credencial, meu crachá, e dou uma "carteirada" para encerrar impasses e abrir portas. Por que não? E você pode vir comigo, meu amor. Tenho sempre direito a "mais um"- um acompanhante. Ariela, a bela, não quer mais ser acompanhante do ma-ri-di-nho dela? Buscamos ainda os caminhos que nos levam à área VIP, baby, onde a bebida e a comida costumam ser fartas, de graça e de melhor qualidade. Que se danem os mortais não-jornalistas. Somos a elite do público. Nos querem em suas festas e eventos. Você vai deixar a Corte, chuchu? Nos pedem por favor para escrever sobre eles, eles, os incomuns, sobre seus produtos, sobre os seus feitos e eventos, livros e peças, filmes e perfumes, bebidas e jóias, até sobre a cor do vento e o sabor da água. Nos pedem nota, matéria, canto de página, capa, uma foto, uma ponta, uma linha, qualquer palavra. Minha branquinha, você sabe muito bem, jornalistas são endeusados e mimados. Só os otários não se aproveitam. Os otários e os éticos, como você, paixão, atributos que não correspondem com a descrição da maioria das ocupações citadas e clasificadas. Enquanto a massa se aperta, apesar de ter pago caro por um ingresso, o jornalista esperto como eu leva a esposa para a área VIP, diante do palco. Temos banheiros limpos, tratamento diferenciado, manobristas, sem precisar desembolsar um tostão. Ariela, paixão, vai sair fora?