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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|querem mesmo apurar?

Nessas horas, mais uma vez [aprendi com a minha mãe] é preciso separar as emoções e pensar objetivamente.

Atualização:

E, como faz um DEMOCRATA, confiar nas instituições.

No Rio Grande do Sul, foram encontradas cópias de dois documentos que finalmente comprovam que meu pai, RUBENS PAIVA, esteve detido numa unidade do DOI-Codi no Rio de Janeiro em 1971, durante a ditadura militar.

Comprovou-se o que sempre soubemos.

O documento é incrível, e parece ter saído de um filme policial.

Vê-se a cena: o preso deixa seus pertences sobre uma mesa, um carcereiro enumera, anota e guardando numa caixa.

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Pertences que em tese seriam devolvidos quando o prisioneiro fosse solto.

 

 Foto: Estadão

 

Sim, meu pai entrou. Quando saiu? E como?

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Minha mãe esteve presa também por 13 dias no mesmo prédio, viu fotos dele no álbum de presos assim que chegou, um dia depois dele.

Meu pai foi preso dirigindo o próprio carro. Minha tia Renee Paiva, sua irmã, retirou este carro do pátio do II Exército um mês depois e recebeu o recibo assinado e timbrado da devolução.

Tal documento foi a única prova de que ele estivera preso, apesar das negativas do Exército.

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Que aliás negou que minha mãe também estivera presa.

Para a própria, que voltou lá e foi barrada, tentando ver o marido.

Se encontrou agora, 41 anos depois, casualmente, a ficha de entrada de Rubens Paiva pela Polícia Civil gaúcha nos arquivos de um militar reformado morto em Porto Alegre.

Os documentos foram entregues ontem pelo governo do RS à COMISSÃO DA VERDADE, que promete investigar.

No início do mês, o coronel Júlio Miguel Molinas Dias trocou tiros com 3 "elementos" em Porto Alegre e morreu. Era fora chefe do DOI-RJ no começo dos anos 80. Viúvo, deixara uma pasta que foi encontrada pela polícia. Há também papéis sobre o atentado do RioCentro, em 1981.

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Dois dias depois o EXÉRCITO cercou a área e recolheu o que encontrou na casa do coronel Molinas.

Toda a operação leva a muitas perguntas:

1. O que esses documentos faziam com ele?

2. Com quem trocou tiros?

3. Trata-se de um crime comum ou queima de arquivo?

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4. O que o Exército foi fazer lá 2 dias depois?

Para A Comissão da Verdade, além da preciosidade, também sobraram pistas e a possibilidade de convocarem:

O capitão "Santabaia" - além da cópia da ficha encontrada pela polícia gaúcha, há um manuscrito informando que os pertences do carro do meu pai foram retirados por um oficial identificado como "capitão Santabaia".

 

O general de reserva José Antônio Nogueira Belham, um dos ex-chefes da unidade do DOI-Codi - seu nome está anotado no documento, como quem teria ficado com as cadernetas de endereço do meu pai

No Rio, um protesto do grupo ESCRACHO em maio deste ano aconteceu em frente ao prédio nº 218 da rua Marquês de Abrantes, no Flamengo, onde mora o general.

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Na verdade, muitos sabem quem trabalhava no DOI-Codi em janeiro de 1971.

Se quiserem apurar mesmo, é fácil.

São oficiais hoje reformados, que ganham pensão e podem ser encontrados numa busca nos arquivos do governo.

Se a Comissão da Verdade quiser mais detalhes, leia SEGREDO DE ESTADO [Editora Objetiva], lançado recentemente, livro do biógrafo JASON TERCIO.

Lá está o nome de alguns oficiais que davam plantão nos dias 21 e 22 de janeiro de 1971 no DOI-Codi do Rio de Janeiro e podem ter muito a dizer sobre o que aconteceu com o preso Rubens Paiva:

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Ex-coronel Ronald José da Motta Batista Leão

Capitão de cavalaria João Câmara Gomes Carneiro

Subtenente Ariedisse Barbosa Torres

Segundo-sargento Eduardo Ribeiro Nunes

Major Riscala Corbage, da PM do Rio de Janeiro

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Foram já interrogados pelo ex-procurador-geral da Justiça Militar, Leite Chaves, no começo da redemocratização, e alguns confirmaram num Inquérito Policial Militar de 1986 que estavam de serviço quando meu pai foi interrogado [21 de janeiro].

Provavelmente morreu sob tortura neste dia ou no posterior.

Se algum deles estiver vivo, parte da história facilmente vem à tona; se convocados pela COMISSÃO.

Basta vontade.

Que em 40 anos não se conseguiu agrupar.

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Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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