Marcelo Rubens Paiva
11 de fevereiro de 2010 | 12h34
Muita gente me pergunta do MÁRIO BORTOLOTTO.
O cara está bem. Milagrosamente, depois pelo que passou. Está igual, o mesmo humor refinado, os mesmos ideais, o mesmo coração aberto para os amigos, nos chamando pelos mesmos apelidos.
Bebe suco agora. Mais magro, evita baladas.
Faz fisioterapia diariamente. Ironia, o que mais o atrapalha é o braço esquerdo. Ele caiu sobre ele, quando levou os 3 tiros e quebrou o osso do ombro, que foi deslocado para uma cirurgia em que implantaram uma placa de titânio, o que dói demais.
Não consegue digitar com as duas mãos, o que é uma tortura para um escritor.
Mas está tocando a vida, com duas peças para estrear. De tipóia.
Evita aglomerações. E tem ido ao teatro, ao PLANETAS, à casa de amigos.
O problema é que, aonde vai, todos perguntam sobre os tiros. Ele tem que contar, e, pior, cumprimentam encostando exatamente no seu ombro operado, o que dói. Falei para ele ficar sempre com o lado esquerdo encostado numa parede. Evita as pessoas de o abraçarem.
Portanto, campanha: NÃO ENCOSTEM NO OMBRO ESQUERDO DO CARA!
E pesquisem no GOOGLE ou no seu blog sobre os tiros. Para que possamos ter o MARIÃO mais à vontade pela noite.
http://atirenodramaturgo.zip.net/
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Vale a pena a peça PLAY, em cartaz terças e quartas em São Paulo [Teatro Nair Bello], de Rodrigo Nogueira, que também atua e é um ótimo ator. Com Daniela Galli, Maria Maya e Sérgio Marone.
Inspirada no filme “Sexo, Mentiras e Videoteipe” [Steven Soderbergh], tem uma dramaturgia sofisticada, que nos coloca e nos tira da peça, como IN ON IT, espetáculo imperdível de Kike Diaz [no Teatro Faap], com Emílio de Mello e Fernando Eiras [texto: Daniel Maclvor], como A NOITE MAIS FRIA DO ANO.
Interessante como a necessidade de nos distanciarmos daquilo que estamos contando se tornou uma linguagem, uma forma de provocar no espectador o sentimento de que tudo pode ser mentira, de que a verdade confunde, de que há coisas por trás do fato de estarmos ali, fazendo uma peça.
Brecht já tinha pensado nisso décadas antes. Com a intenção de comover e mobilizar ideologicamente o seu público.
Outros tempos. Fim das ideologias. A gente não quer doutrinar ninguém.
Talvez jogar com a linguagem, mostrar como a vida anda confusa, o limite entre falso e verdadeiro se foi faz tempo, e que somos todos atores neste mundo pós-moderno, ou talvez nem saibamos mais o que somos, que papel representar numa relação amorosa, num casamento, no trabalho.
Nos photoshopamos diariamente. Não sabemos mais o que queremos. Procuramos, apenas, não nos metermos em confusão.
Nogueira, que foi indicado ao prêmio Shell por esse texto, anunciou que o final de PLAY, que é pontuado por depoimentos sobre sexo de desconhecidos em vídeo, alguns verdadeiros, outros falsos, agora terá outro desfecho.
Por isso teatro fascina, é uma obra em construção permanente. Sem limites que engessam o resultado. Já mudei também o final de peças minhas, como MAIS-QUE-IMPERFEITO, que no Rio tinha um final, e em São Paulo, outro.
É o único gênero em que você testa sua comunicabilidade constantemente. Às vezes, somos mal sucedidos. Mas que a gente se diverte, ah, ninguém duvida.
Já que não podemos mudar o final das histórias que vivemos, de que nos arrependemos das decisões tomadas, mudamos num palco.
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E PORNÔ, espetáculo baseado no livro de IRVINE WELSH, estreou numa boate, o VEGAS [Rua Augusta, 765], também às terças e quartas. Direção de Gustavo Machado.
São os mesmos personagens de TRAINSPOTING, dez anos depois. Ainda viciados. Ainda bem enrolados. Frequentando o balcão de um pub. Que decidem entrar para o mundo do filme pornô.
Usam todos os cantos da boate, e o público fica em cadeiras no meio, cercado pelos personagens. Ótimos atores.
Coincidentemente, falei de WELSH no ESTADÃO de domingo.
SE VOCÊ GOSTOU DA ESCOLA, VAI ADORAR TRABALHAR é o seu novo livro, escocês mais conhecido pelo filme Trainspoting, de Danny Boyle, adaptação da sua obra, e pela sua continuação, Pornô, ambos pela Rocco, do que pelas narrativas curtas, gênero com o que começou- e em que não se embrenhava desde 1990.
Foram os ingleses quem melhor cunharam as distinções entre conto, novela e romance. Práticos, definiram “novel” como um gênero intermediário.
O parâmetro é o tamanho: maior que um conto, menor que um romance. Não é uma narrativa de um tiro, como um conto, nem um gênero que se aprofunda numa pequena tese, como um romance. Fica no meio termo, mas não necessariamente deve ser inferiorizado.
O Alienista, de Machado, assim como Memórias do Subsolo, de Dostoievski, são exemplos de como com poucas palavras, ou melhor, menos páginas do que um romance, é possível descrever com grandeza os limites da loucura e do autocontrole que se exige do novo homem.
Welsh juntou cinco novelas distintas numa mesma publicação, com tipos semelhantes (beberrões, excêntricos, cínicos, engraçados e amadores no amor) que contém uma recorrente incapacidade de adaptação a um ambiente em que não pretendiam estar, se tivessem organizado as suas vidas de outra maneira e não escorregado pelos atalhos que se apresentaram.
O cinema fez bem a Welsh. Suas narrativas ganharam um clima digno de um bom filme, com reviravoltas, surpresas e ação.
Como na primeira história, Cascavel, provavelmente escrita em homenagem ao precursor Hunter Thompson, que se matou há cinco anos.
Talvez inspirado em MEDO E DELÍRIO EM LAS VEGAS, dois amigos e uma garota se drogam, viajam alucinados num Dodge Durango por tempestades de areia pelo deserto do Arizona e se estrepam feio.
Na verdade, a droga, um elixir peruano, não batera em Eugene, quem dirige, ex-atleta que perdeu o rumo da carreira e deseja a passageira ao seu lado, Madeline, uma garota que conhecera e que deseja Scott, no banco de trás, o melhor amigo de Eugene.
Prestando mais atenção nas curvas da passageira do que na estrada, acaba capotando o carro. Os três, perdidos no meio do nada. “Estamos na América. Aqui você nunca está a mais de um quilômetro de alguém tentando vender alguma coisa”, ironiza o escritor escocês.
E não estavam. Foram flagrados por bandidos chicanos religiosos numa cena difícil de explicar: Eugene fora picado por uma cascavel no pênis, e o amigo obrigado a “sugar” o veneno. Algo que só para um amigo muito íntimo se pode pedir.
Miss Arizona também se passa no mesmo deserto. Desta vez, é um cineasta frustrado, que vive de publicidade e resolve ir atrás da viúva de seu grande ídolo, diretor que, por não ser comercial, optou pela indústria do filme pornô. E, evidente, o narrador se envolve com a enigmática e sedutora viúva, que tem melhores histórias para contar do que as do falecido.
SE VOCÊ GOSTOU DA ESCOLA, VAI ADORAR TRABALHAR é talvez a melhor história das cinco, apesar de seus personagens declaradamente machistas. Não sei dizer por que é a melhor história. O editor também achou, pelo visto.
Os capítulos têm nomes de mulheres. E elas aparecem para ser amadas e odiadas.
Depois de discutir com a ex-mulher sobre a educação da filha adolescente, debate narrado como se fosse uma luta de boxe, Mickey, dono de um bar nas Canárias, explode:
“Alguns de nós têm uma droga de vida para viver, muito obrigado! Como o velho Wiston [Churchill, deve ser] disse uma vez: ‘Embora preparado, prefiro que meu martírio seja adiado’.”
O papo de bar, ou melhor, de pub é a fonte inesgotável da narrativa:
“Cyhth é divertida, e essa é a qualidade que todo mundo aprecia numa mulher. É claro, algumas só agem assim até conseguirem o que chamam de compromisso, e estão viram umas éguas escrotas.”
Mickey descreve o tipo de mulher “boa de pegar”: “Há algo nas magricelas chegando aos quarenta. Se elas não despencaram até então, devem ter algum vício grande. A experiência me ensinou que esse vício é, incrivelmente, trepar.”
Calma. Não odeie Mickey. No fundo, é um apaixonado pelas mulheres. Nunca superou a separação. Tem carinho pelas conquistas. Dá conselhos, ajuda. E até leva a filha para morar com ele, Em, que abaixa a guarda do pai e lhe arranca algumas convicções.
“Odeio a escola”, ela diz. “Meu velho, seu avô, costumava dizer: ‘Se você gosta da escola, vai adorar trabalha e depois viver feliz para sempre’.” Feliz? Sim, se estiver acompanhado pelo velho e eficiente Jack & Daniels, afirma nas entrelinhas.
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