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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|O ridículo da guerra

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Atualização:
 Foto: Estadão

Sun Tzu viu arte na guerra. Escreveu em tiras de bambu 13 capítulos do seu tratado militar há 2.500 anos.

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Não imaginou que seria traduzido para línguas de países de continentes a serem descobertos tempos depois- Caio Fernando Abreu fez, com Miriam Paglia, a tradução para o português. Que seria seguido por Napoleão e Mao Tse-Tung. Que se tornaria leitura recomendada a estrategistas e homens de negócios, em luta nas trincheiras do mercado corporativo, técnicos de futebol, vendido formato pocket book por camelôs e em bancas de jornal.

A guerra está no épico.

No palco, cinema, prosa, pintura, música, TV, noticiário diário, nos nossos pesadelos. Alimenta a descrença na humanidade.

Mostra a faceta do horror abafada pela ética que forçosamente passamos de geração em geração, em vão, para não nos aniquilarmos.

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A guerra está em Homero, Cervantes, Shakespeare, Tolstói, Stendhal, Hemingway, John dos Passos, Salinger, Kurt Vonnegut, Ian Mcewan.

Nem Rimbaud fugiu do seu encanto. A guerra está na poesia, na ópera, em Wagner, Mozart e Beethoven. Na obra-prima de Picasso. Em todos os museus.

Grandes cineastas acreditam que só se provam num filme de guerra: Kubrick, Coppola, Spielberg, David Lean, Eisenstein, Franklin J. Schaffner. Deu lastro à literatura brasileira: Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Erico Veríssimo.

Ojeriza e fascina.

Deu cor, tom e o foco do nosso progresso.

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Desenhou o mapa-múndi, apesar de todo ridículo que há nela.

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O que é um cessar-fogo?

A artilharia pesada destrói as instalações do inimigo, faz incontáveis vítimas militares e civis, deixa cidades sem água, luz e esgoto, destrói bunkers, sedes de partidos extremistas, escolas, hospitais, mata, fere, estraçalha, estilhaça, desaba, incendeia, amputa.

Então, os líderes das partes que se odeiam conseguem um canal de comunicação, um interlocutor imparcial, e decidem dar uma trégua humanitária. Ligam-se os cronômetros. Por um período apenas. Para se retirarem mortos e feridos, deslocarem crianças e idosos, para o descanso. Para fazerem a feira, supermercado, irem à esquina comprar cigarros. Para depois voltarem as bombas, a morte e a destruição.

Se alguma parte desrespeitar o acordo, ou alvejar o inimigo minutos antes do começo do prazo, a Comunidade Internacional se agita, acusa e denuncia. Como são desumanos. Desrespeitaram o cessar-fogo, aqueles selvagens!

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A guerra é burra.

Separatistas ucranianos ficaram revoltados. Quem foi o imprudente que permitiu um 777 sobrevoar a nossa zona de guerra? Estamos disputando o espaço aéreo. Derrubamos já caças e aviões de carga do inimigo, bombardeios que bombardeiam nossas vilas em guerra. Passa um jato comercial a caminho da Malásia? O que aquele rastro fazia na minha mira?

A guerra é míope.

Tomas Friedman, colunista do New York Times, lembrou que, enquanto muitos se perguntam o que daria para fazer com o dinheiro e concreto gasto na rede de túneis do Hamas, umas das maiores obras de engenharia da região, Israel desenvolveu um sistema de interceptação de foguetes que calcula se o mesmo cairá no mar ou no deserto e tem segundos para desvendar a trajetória; só serão abatidos os que caírem numa área residencial, evitando o gasto desnecessário de um interceptador que custa US$ 50 mil. "Se o governo israelense tivesse aplicado essa engenhosidade para tentar um acordo com a moderada Autoridade Palestina na Cisjordânia, o Hamas estaria muito mais isolado hoje que Israel."

Guerra tem orçamento, custeio, caixa de entrada e saída, como qualquer atividade comercial. Não por outra, John Kennedy escolheu o então presidente da Ford, Robert McNamara, para Secretário de Defesa. Entre 1961 e 1968, ajustou a máquina de guerra e a linha de montagem que orquestrou a participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

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Experiência anterior: o executivo McNamara popularizara o Ford Falcon, sedã que introduziu o cinto de segurança, e depois o Lincoln Continental, ícone dos anos 1960. Atravessou quatro presidências, uma na montadora e três servindo ao seu país- Kennedy, Lyndon Johnson e Nixon- para ser presidente do Banco Mundial até 1981, prêmio aos serviços prestados.

O que McNamara gastou despejando no Vietnã daria para montar muitas montadoras de automóvel. Torrou milhões e perdeu a guerra. Dinheiro jogado fora?

Pensando bem, a Ford é o que é por causa das bombas que muitas guerras americanas produziram e lançaram. A guerra é um tremendo negócio: não é nada burra.

 

 Foto: Estadão

 

A vedete da Primeira Guerra, que faz cem anos que começou, foi a bomba de gás.

Máquinas da indústria química criaram linhas de montagens para armazenar em cápsulas gases que irritam a pele, queimam os olhos e as vias respiratórias, como clorobenzilideno malononitrilo e brometo de benzila.

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Jogar gases venenosos, gás mostarda, fosgênio e cloro, era a forma mais precisa de combater o inimigo infiltrado em túneis e trincheiras, abaixo da linha de tiro.

Se não aparecem nas miras, que morram asfixiados!

Um protocolo para proibir o seu uso foi assinado em 1925 na famosa Convenção de Genebra. Mesmo assim, elas estiveram em conflitos recentes no Vietnã (napalm), Irã, Iraque e Síria.

Armas químicas proibidas são controladas pela OPCW (Organization for the Prohibition of Chemical Weapons), organização independente com sede em Haia. O Brasil é signatário do tratado.

Síria e Iraque não eram membros. Passaram a ser recentemente.

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Israel, com a Coreia do Norte, é dos poucos países que não o assinaram.

Nos é permitido morrer pelo violento deslocamento de ar que uma bomba gera ou decepado pelos estilhaços. Sob escombros e fogo. Podemos morrer por fissão nuclear e radiação. Podem nos matar por bala de revólver, fuzil ou metralhadora. Não por gás. Por gás é desumano.

Sim, a guerra é burra.

 

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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