Kika, 16 anos, tinha veneno no sangue. Também. Ficávamos nos amassos apertados. A cada dia, o amasso adquiria um novo componente: uma mão no seu peito; uma mão na sua bunda; um chupão no pescoço; levantar seu vestido; explorar por baixo do vestido; subir com suas pernas abertas; subir com meu pau contra ela. Um dia, fui longe demais: abri a calça, tirei o pau pra fora e pedi:
"Chupa."
"O quê?!"
"Chupa pra mim."
"Você tá louco?!"
"Põe a tua boca nele e chupa, aliás, não chupa, lambe, como um pirulito."
"Pára com isso, Luiz!"
"Mas é gostoso."
"Isto é horrível."
"Não é, não."
"Por quê?! Por quê?!"
"Você não é a minha namorada?"
"Vou chamar a mamãe."
"Sua mamãe saiu com o seu papai, para provavelmente fazer o mesmo em paz."
"Sai daqui!"
"Pega nele."
"Sai!"
"É gostoso."
"Vou chamar o meu irmão."
"Ele está lá embaixo, com a namorada, provavelmente pedindo a mesma coisa."
"Grosso."
"Não é tanto assim."
"Porco!"
"Vai, eu te amo, você me ama."
"Eu te odeio!"
"Isso é um gesto de amor."
"Você é nojento".
"Vai. Vai! Estou perdendo a paciência."
Ela se abaixou, colocou a boca no meu pau e, entre uma lambida e outra, repetiu:
"Eu te odeio!"
"Eu te amo."
"Vou contar pra mamãe."
"Você é linda."
"Eu te odeio!"
"Eu te amo."
Kika chupava, chorava e repetia que me odiava e, quando acabou, chorou desesperada, como se estivesse sem ar. Achei que ela ia ter um enfarte. Busquei água com açúcar na cozinha. Ela se trancou e não me deixou assisti-la.
Hoje em dia, quando uma mulher escreve sobre a sua vida sexual com palavras fortes, relatos picantes e detalhados, é sinal dos novos temos, é a liberdade e igualdade, é o direito garantido de se expor. Mas quando um homem faz o mesmo é um retrocesso, a linguagem é chula, e o acusam de machista. Mulheres falando de sexo é charmoso. Homem, é cretino.
Kika não contou pra sua mãe. Kika padecia de curiosidade. Experimentar o estranho e escondido. A ceninha, óbvio: uma cena, para não ferir sua dignidade, menina-de-boa-família. Quer saber do mais estranho? Ela me deu um pé-na-bunda fenomenal, me trocando por Cássio, meu colega. Põe estranho nisso. Trocou, como se muda de camisa, sem remorso, culpa, constrangimento ou uma papo sério. Mais uma, para a minha lista de abandonos. Cássio se apaixonou por ela. E virou o meu melhor amigo. Porque virei seu confidente. Dizia que ia se casar com Kika quando ela fizesse 18. Dizia que seus nomes, Cássio e Kika, combinavam. E, segundo ele me contou, e melhores amigos nessa idade contam tudo, ela queria chupar o seu pau todos os dias em todos os lugares, obcecada pela novidade, e quanto mais em público mais ela implorava: chupou meu amigo num táxi, numa esquina, no banheiro do colégio, na mesa de sinuca, no quarto da mãe. Chupava e repetia: "Eu te odeio!"
Cássio se assustou. Garotos desta idade se assustam à toa. Garotas assustam. E lhe deu um pé-na-bunda enjoado de tanto boquete. Vai entender...
Garotas assustam. Mulheres assustam. O processo discursivo pelo qual se passa de proposições conhecidas ou assumidas (as premissas) a outra proposição (a conclusão) à qual são atribuídos graus diversos de assentimento, maneira do dicionário entender um raciocínio, é incompreensível para um homem quando ele é feminino. Com o tempo, nos acostumamos. Continua incompreensível, mas se torna constante.
[trecho do livo Malu de Bicicleta, lançado há dez anos]
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TERÇAS E QUARTAS em SP.
E agora com a musa PAULA COHEN no elenco: