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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|LP versus CD

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Atualização:

Um dos maiores fracassos comerciais da indústria de entretenimento foi o LD (laserdisk). Lembrava um LP espelhado, com cara de elemento de cena de 2001 - Uma Odisséia no Espaço

Anunciava-se o futuro.

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E era caríssimo, apesar do padrão analógico.

Nem chegou a ter distribuidor oficial no Brasil. Só os amigos com grana e passaporte em dia tinham e se gabavam.

O primeiro título saiu nos Estados Unidos em 1978: Tubarão, de Spielberg, o Midas da nerdocracia. Em 2000 pararam de sair filmes em LD. Há três anos a Pionner, detentora da patente, tirou os reprodutores da linha de produção.

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O DVD, digital, com mais definição e um quarto do tamanho, na mesma fôrma dos já bem-sucedidos e responsáveis pela transformação da indústria, os CDs, foi o responsável. Os apressados nem podem nem se vangloriar de que ver um filme em LD é "infinitamente" superior do que em DVD ou Blu-ray. Ele tem uma definição maior apenas do que as antigas fitas em VHS.

 

 Foto: Estadão

 

Mas existem dúvidas entre a experiência de ouvir músicas num LP, analógico, e CD, digital.

Para os entendedores, foi um assalto da indústria aos nossos ouvidos.

O CD retira amostragens pontuais da onda sonora de alta e baixa frequência, o que empobrece o som, embola, fatia a curva sonora, junta pedaços, perdem-se nuances, o extremo do agudo e do grave se misturam a outros instrumentos com sonoridades semelhantes. A música é "resumida" para liberar espaço. Faixas abaixo de 25 Hz e acima de 16 Khz são dispensadas.

Enquanto um LP reproduz a gama total da curva, o CD elimina frequências que teoricamente não ouvimos mas sim estão lá e encorpam a música, tornando-a mais próxima da realidade; ou, como se dizia, com alta-fidelidade.

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Tem os riscos, os pulos, a poeira que se acumula na agulha, o esbarrão que arranha a superfície do vinil e termina com a música, o tamanho, o espaço para se guardarem dezenas ou centenas de discos.

Foi por isso que você, como eu e a maioria, trocou LPs por CDs.

Me senti aliviado quando um primo distante comprou minha coleção de três décadas que começou com Joe Cocker.

Você também se lembra do primeiro disco que comprou na vida?

Levou tudo e ainda me deu 500 contos, calculado randomicamente. Deu para comprar uns 20 CDs.

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Hoje vejo colecionadores atrás de discos que já tive, que muitos tiveram, e que desprezei como estorvos que atrapalhavam a circulação da casa. Como uma estátua de anão. Ou uma coluna de gesso na sala.

Aquele Dave Brubeck, Pink Floyd, Bill Evans, Led Zeppelin, Beatles, Stones, The Cure, o disco triplo de Sandinista, do Clash, aquelas maravilhas de desenhistas e designers modernos, com seus encartes e jogos de imagem e mensagens cifradas, como Phisical Graffit ou Sticky Fingers, o disco da língua, que causavam ilusão de ótica, viraram um bagulho de plástico que quebra com facilidade. Abandonamos nossos preciosos brinquedos.

O tempo passou e limitaram mais ainda nossa capacidade auditiva. Educamos nossos ouvidos com fones primários, minúsculos, e com arquivos, não mais músicas, em MP3, FLAC, WAV e AAC de 3 MB ou ripados, sequências de zeros e uns que unidas conseguem a proeza de imprimir maravilhas num disco compacto, chip, memória, nas nuvens.

Espaço é a lei, não a qualidade. Herança de uma sociedade que aceita e muitas vezes prefere o simulacro, para pagar menos.

Todas as noites praguejo contra meu primo que pensei que me fizera um favor. E me pergunto onde está aquele aterrorizante Tubular Bells, de Mike Oldfield, cujo baixo controla o andamento que cresce e se repete- como em Bolero de Ravel-, em que, em cada lado, havia uma faixa apenas, trilha do filme Exorcista, que em CD ficou seco, e se as novas gerações entendem quando dissemos que muitas vezes preferimos o "lado B" das coisas.

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 Foto: Estadão

 

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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