EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|livro do casão chega no topo

PUBLICIDADE

Atualização:

 

Ontem fomos comemoraro aniversário do CASÃO e a notícia de que a biografia dele lançada há duas semanas, trabalho minucioso do jornalista GILVAN RIBEIRO, chegou no topo da lista dos mais vendidos.

Quase não falamos de futebol. Mas de solos de guitarra inesquecíveis.

PUBLICIDADE

E do como tem música em que ficamos esperando até o solo vir, como HOTEL CALIFORNIA [EAGLES], talvez um dos solos mais famosos do rock mundial, depois de STAIRWAY TO HEAVEN [ZEPPELIN].

CARLINI [TUTTI FRUTTI] estava conosco, autor do solo de guitarra mais conhecido da MPB, do clássico de RITA LEE, Ovelha Negra.

Ele contou que o disco já estava pronto. Ele bolou o solo, mas ninguém queria escutar.

Publicidade

Demorou 3 dias para convencer a galera do estúdio que tinha composto um solo para o final da música.

O produtor americano Andy Mills mandou enfim ele mostrar

CARLINI foi pro estúdio, tocou de primeira. Gravaram e incluíram na faixa. Ele disse que só tinha mostrado, mas queria dar uma guaribada, com pedais e efeitos. Que nada. Ia ser prensado daquele jeito.

E foi.

Entrou pra história.

Publicidade

Em homenagem, decidi deixar aqui a abertura do prefácio que escrevi pro livro CASAGRANDE E SEUS DEMÔNIOS.

Relaxa, não tenho participação nas vendas.

É pra homenagear o amigo, mesmo.

Se quiser saber mais, compre a obra. Aproveite que o friozinho chegou.

 

"Minha vida dá um livro." Se alguém tem o direito de fazer este comentário, seu nome é Walter Casagrande Júnior, nosso amigo Casão, o homem gol com sangue de roqueiro, inquieto, curioso, destemido, atirado e, sobretudo amigo prestativo e fiel.

Publicidade

Recentemente, ele se emocionou e se divertiu em Tóquio, chorou e riu, cobrindo o seu Corinthians no Mundial de Clubes da FIFA 2012. Nos mandava mensagens pelo celular antes dos jogos, ainda madrugada no Brasil: "Acorda, meu, vai começar o jogo!"

Sua vida dá um livro. Dá um filme. Dá uma ópera rock, sob a supervisão

de Lobão, Nasi Valadão, Kiko Zambianchi, Carlini, Lee Marcucci e Titãs, rapaziada bem vivida do seu ciclo de amizades.

Ópera que começaria com ele sozinho no seu apê no bairro Alto de Pinheiros, São Paulo, na meia-idade, com um dos melhores empregos do telejornalismo, o de comentarista esportivo respeitado e com prestígio da Rede Globo.

As janelas estão fechadas há dias, e as portas, trancadas. Um cheiro de cigarro, bebida, busca e mofo no ar. Por que sempre queremos mais? Se nos dão o topo, queremos atravessar as nuvens. Se estamos na estratosfera, queremos ir para outros planetas, outras galáxias. Esta inquietação que alimenta a humanidade.

Publicidade

O protagonista Casão, de shorts, sem camisa, barba por fazer há dias, cabelos escorridos, emaranhados, começa seu ritual macabro e rotineiro. O que buscava? O fundo. O outro lado. A fronteira.

Tranca as portas. Coloca o DVD do The Doors. Senta-se diante de uma mesa. Primeiro, cheira três carreiras de cocaína. Toma uns comprimidos pra dar barato. Prepara, aí, sim, o néctar, a estrela da sua festinha particular, uma seringa com heroína. Faz um torniquete, procura uma das poucas veias que ainda aguentam o tranco de uma agulhada. Enquanto a droga injetada vagueia pelo corpo, ele enxuga meia garrafa de tequila e, para dar a liga final, fuma um baseado.

E quem me descreveu esta cena, com uma sinceridade comovente, num fim de tarde comum, foi o próprio. Continua.

Ele se deita no chão sobre um mandala, abraçado a um grande crucifixo. Acende um Marlboro light e vê pela enésima vez Jim Moorison cantar: "This is the end, my only friend, the end of our elaborate plans, the end of everything that stands, the end, no safety or surprise, the end..." [Este é o fim, meu único amigo, o fim dos nossos planos traçados, o fim de tudo que interessa, o fim sem saída nem surpresa, o fim...]

Difícil tal cena ser imaginada. Por mais exagerada e absurda que possa parecer, isso acontecia nos últimos dias do mergulho profundo a uma viagem tenebrosa e solitária que, por milagre, foi interrompida graças à sua família e à perseverança de um filho. Sua busca não tinha mais um fim em si mesmo, mas o próprio desfecho embutido.

Publicidade

Ele é levado à força a uma clínica, nos primeiros quatro meses fica em isolamento, sem TV ou jornais. Ao todo o tratamento dura um ano.

Repensa. Relembra. Aos 18 anos de idade, como jogador, faz quatro gols na estreia como profissional do Corinthians. Dias depois, faz três contra o arquirrival Palmeiras. Parece sonho de um moleque torcedor, mas assim ele começou.

 

Corta. Estamos agora no comício das Diretas Já. Ele, Sócrates, Wladimir e Zenon, diante de mais de um milhão de pessoas no Anhangabaú, ao lado de Osmar Santos, gritam: "Queremos eleições diretas!"

Num flashback, aparece com dois amigos levando uma dura da Rota, que procura o baseado que ele, Casão, dispensou segundos antes. O jogador já famoso e articulador do movimento Democracia Corintiana apanha da polícia em plena Marginal do Tietê. Dias depois, é preso no Aeroporto Santos Dumont com uma presença implantada pela Polícia Federal, braço repressivo da ditadura. Que anunciou a prisão com toda a pompa.

Muitos acharão que o autor desse livro ou os roteiristas do suposto filme carregaram na tinta, maltrataram o teclado e exageraram, para ampliar os conflitos e pontos de virada, para tornar a narrativa mais atraente do que ela é. Impossível.

Publicidade

Sim, tudo isso aconteceu e está contado aqui por Gilvan Ribeiro, que não segue a ordem cronológica previsível, não se censura, não adoça, e começa pelo pior, pelos Demônios à Solta.

Casão faz questão de contar o inferno que viveu quando era viciado em drogas, sua internação, pois para ele é fundamental passar adiante a experiência, dividir as dores da dependência e alertar para os perigos de um vício frenético, sem preconceitos, desvios ou mentiras. A verdade ajuda a sanidade.

Ele nos lembra com uma incrível riqueza de detalhes, coração aberto, sincero, memória preservada, como um alerta. Crianças, não se espelhem em mim. Vi o inferno. Passeei de mãos dadas com o demônio. E não recomendo.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.