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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|fala aí alguma coisa...

Olha que coisa estranha.

Atualização:

Há 28 anos dou entrevistas.

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Porque há 28 anos lancei FELIZ ANO VELHO, aquele livro lá...

Eu era um estudante da ECA - USP, tinha 23 anos, meio punk, meio brechtiano [pobre do povo que precisa de heróis], meio anarquista [cuja chapa vencera a eleição do centro acadêmico], fumava, cheirava [não recomendo a ninguém, parei ainda nos anos 80], bebia, frequentava os inferninhos mais pesados da cidade [ficava no meio da pista, no empurra-empurra, com minha cadeira de rodas, dançando e cantando MERCENÁRIAS, INOCENTES, RATOS DO PORÃO, IRA!] e tinha uma turma de amigos da pesada, uma mesa de pôquer que acabava ao meio-dia [eu curava a ressaca na piscina da USP], além de assistir aos jogos do Timão no meio da GAVIÕES.

De repente, virei celebridade literária, uma piada.

Tinha que corresponder. Coitado...

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Páginas Amarelas da VEJA, RODA VIDA, CANAL LIVRE, entrevistas para os grandes jornais, queriam entender quem era aquele moleque metido que lançara um livro comentado, que diziam ser o símbolo de uma geração.

Eu?! Logo eu?!

O que ele tem a dizer sobre a juventude brasileira?

O que tem ele a dizer sobre literatura?

Ele tem algo a dizer?!

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Eu queria viver em paz, continuar a minha rotina, a minha juventude.

Responsabilidades? Pra quê?

 

 

 Foto: Estadão

 

Uma vez a VEJA disse que eu era viciado em cocaína.

Neguei, e publicaram na seção de cartas.

Logo em seguida, a revista AMIGA estampou na capa DROGAS NA TV.

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Lá estavam a minha foto, a do Polegar e a de Paulo Ricardo, preso no aeroporto com maconha.

Eu não era modelo de nada, nem queria ser.

Eu não sabia dar entrevistas.

Porque não gostava de dar.

Minha namorada da época, FERNANDA, dizia que eu deveria sumir e viver recluso como SALLINGER. Ela tinha razão, mas a editora e o mercado me pressionavam.

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O livro estava há 4 anos bombando.

Timidez e inexperiência me levavam a ser arrogante e confuso nas entrevistas.

Eu necessitava desempenhar um papel, era um personagem falando.

Rude, polêmico, chato.

Eu mesmo detestava me ver na TV, ler o que eu dizia.

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Minha família reclamava, porque eu não avisava dos programas em que ia aparecer.

Eles ficavam sabendo por terceiros.

Não fazia a menor questão de avisar, porque não queria que vissem as bobagens que eu falava.

Paguei um preço caro, minha cabeça deu um nó.

Só me reencontrei quando fui embora do Brasil, morar em San Francisco, sem fama, sem ser o que eu não queria ser.

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Na volta, a decisão: chega de entrevistas, dar só para quem confio, amigos, e quando tiver um projeto relevante ou algo a ser dito.

Pronto, ganhei a fama de arredio.

Mas vivo em paz.

O que é engraçado?

Que só agora "aprendi" a dar entrevistas.

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Ultimamente, tenho dado entrevistas só pra TV Sesc, Canal Brasil, Altas Horas [com meu irmãozinho SERGIO GROISMAN].

E semana passada pro LOBÃO!!!

Passa hoje na MTV, às 23 hs, no programa LOBOTOMIA.

 

 Foto: Estadão

 

Era uma entrevista de meia hora, mas ficamos duas horas no estúdio rolando de dar risada, e as câmeras ligadas.

Falando exatamente disso, da carência de polemistas, de como no Brasil poucos falam do que pensam e do que precisa ser dito.

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Você já viu algum programa de entrevistas na TV cujo apresentador diga na lata: "Venha cá, como seu filme é fraco, sua peça é ruim, e seu livro tosco, por quê?"

Na França e nos EUA é muito comum a imprensa pressionar o entrevistado.

Aqui a maioria é escorregadia, não entra em conflito.

Enumeramos os grandes polemistas da nossa história recente.

Que, como um bom polemista, erra bastante, mas quando acerta...

MONTEIRO LOBATO

NELSON RODRIGUES

TINHORÃO

GLAUBER ROCHA

CAETANO VELOSO

PAULO FRANCIS

DIOGO MAINARDI

ARNALDO JABOR

STANISLAY PONTE PRETA

BARBARA HELIODORA

NETO

ROMÁRIO

TRAJANO

TOM JOBIM

TELMO MARTINO

PLINIO MARCOS

E LOBÃO!!!

Faltaram alguns.

E, curiosamente, a vida de muitos deles não foi nada fácil.

Pagaram um preço alto por dizer o que pensam.

Mas, sem eles, o que seria deste País da condescendência?

  

+++

 

  Foto: Estadão

 

Olha aí, esta peça não tem nada a ver comigo.

Nem com meu segundo livro, BLECAUTE [de 1986].

Aliás, me parece que é um infantil, pois passa às tardes.

Só pra deixar claro, já que me perguntam por aí...

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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