Marcelo Rubens Paiva
19 de novembro de 2013 | 13h15
Meu pai construiu prédios com o arquiteto Pedro Paulo Saraiva.
Dava os nomes. Anunciava nos jornais.
Sem os detalhes dos anúncios de hoje
Até hoje, uma das coisas que mais gosto de fazer é ver anúncios imobiliários.
Não estou atrás da garrafa de uísque que algumas incorporadoras oferecem para aqueles que visitam lançamentos residenciais e comerciais- ou melhor, empresariais, afinal, não somos mais comerciantes, mas empreendedores.
Para ganhar uma garrafa, é “obrigatório” passar pelo atendimento do corretor. E é válido apenas para as 50 primeiras pessoas que visitarem o plantão. O que não é problema para meus amigos bebuns, que vão direto do bar.
Há anos que me debruço fascinado sobre os anúncios, apesar de já ter a chamada casa própria.
Ver como as pessoas pretendem morar é um exercício de arqueologia contemporânea.
Ver como pretendem morar na vizinhança, voyeurismo. Sem contar a inveja saudável de futuros vizinhos bem-afortunados (literalmente).
Uma revolução acontece entre as coberturas e o térreo.
Lançamento de alto padrão não vem com uma simples portaria, mas com “porta cochère”. Outros não são apenas condomínios, mas “condomínio resort”. Armário embutido desapareceu junto com o piso de taco e colunas neo clássicas.
O quarto de empregada foi extinto. Alguns apartamentos vêm sem o quarto, mas com um banheiro na área de serviço. Seria o banheiro da diarista? Ou melhor, da “femme de ménage”?
Aliás, prédios não se chamam mais prédios, mas torres. Alguns se chamam “residencial”. Outros, “boulevard”. Alguns têm varanda gourmet, o sonho de todo morador de prédio, digo torre: terraço com churrasqueira.
Outros vêm com fechadura biométrica, serviço pay-per-use, piscina com fundo infinito, fitness center, que antigamente chamávamos de academia, e a última onda, um espaço dedicado a seu quatro patas, agora popularmente conhecido como pet, cujo nome varia: space dog, pet garden, pet place, pet care, pet walk, pet play, pet space.
A maioria dos apartamentos está menor. Recentemente, um lançamento de 18 metros quadrados foi avacalhado nas redes sociais. É o espaço de três metros por seis. Apertado, mas dá. Nos idos tempos, se chamava quitinete, de kitnet. É a medida do apezinho do famoso Bloco B do Copan, antes, terra de ninguém (sã), hoje, valorizadíssimo.
Há poucos anos, os prédios vinham com lounge.
Já ficou démodé.
Como a sauna. Pelo visto, ninguém mais quer aliviar tensões apertado sobre um tablado de madeira, sufocado por calor e essência de eucalipto, suando com vizinhos, síndico e subsíndico, relembrando a última reunião condominial.
Não se veem mais lançamentos de quatro quartos, como no boom imobiliário da classe média alta da década de 1970. As famílias diminuíram. Mas aumentaram o número de vagas para carros. Menos filhos, mais carros. Dá menos trabalho. Estamos ficando tão estranhos…
O mercado não dorme no ponto, se renova. A PDG lançou o produto “vem com tudo”. Imóveis já decorados. Imóveis com móveis planejados. Compra o imóvel de um, dois, três dormitórios, e ganha o móvel, ganha sala, cozinha, quartos e banheiros. Sensacional. Por que não pensaram nisso quando comprei a minha casa própria?
Vou também inovar.
Me associar a um site de relacionamento matrimonial, encontrar a cara metade do cliente, a outra face da laranja, através de um programa que calcula por algoritmo as afinidades dos proponentes. Que ganham, no meu futuro empreendimento imobiliário, sala, cozinha, quartos e banheiros, um beagle saudável sem o selo Royal, uma adega com vinho, uísque, vodca e saquê, um marido ou uma esposa! E um ano de ração grátis. Para o pet.
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