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Pequenas neuroses contemporâneas

Opinião|Ensino Médio

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Era uma aula de História. Cai no vestibular, alertaram. E daí?, ela pensou. Está tão longe. Estou tão longe. República de Weimar, estava no quadro-negro. A professora sempre fazia isso, escrevia o tema na lousa e falava sem parar. Alemanha é longe. Entre as duas guerras. E a guerra que ela vivia? Nem monarquia nem república. Esquerda e direita se gladiavam. Se comiam. Ela tinha muito sono. Estava no canto da sala, na primeira fileira. A voz rouca da professora só piorava.

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Tinha dormido tão tarde. Insônia, e depois vinha o preço, o sono. O que atormentava? O namoro, o primeiro fixo, muito nova, ainda? Ele, ciumento daqueles, não a deixava olhar para os lados, conversar com outros, ter amigos. Ela andava com insônia, porque não sabia se a vida era assim, ou se mudava de namorado.

Encostou a cabeça na janela, olhou o jardim do pátio sendo regado, fechou os olhos. Ele queria, insistente. Subiu em cima dela ontem, forçou. Tem que ser!, ele dizia, com autoridade. Ela confiava nele. Confiava? Ela sentia tudo. Ele abriu as pernas dela, ficou, ficou, ele estava com tesão, descontrolado, nem tiraram as roupas, ela não deixou, ele parecia um louco, ela nem sentiu tesão, ele gozou, achava, só podia ser. Ele caiu para o lado depois. Ela? Chorou. Inventou que estava preocupada com os pais, que só brigavam. Mentira. Por que chorou? Nem ela sabe explicar. Ele foi embora. Ela sentiu raiva e culpa.

Degradação dos valores. Inspirava poetas, filósofos. Jazz. Amotinados. Ela cruzou as pernas. Imaginou estar sozinha na sala de aula. Se deu conta, estava já molhada. Sensível. A vista do jardim sumiu, a voz da professora sumiu. Ela sentiu tesão por algo que não sabia o quê, apenas isso, como se sozinha na sala, e entrasse alguém.

O tesão aumentou. Ela apertou as pernas, não emitiu um suspiro. Pensou em nada. Como assim, de repente, do além? Tesão, tesão, tesão... A aula rolava, ela escutava o regador automático. Olhou. Ninguém reparava, fechou os olhos, cruzou as pernas com mais força, encostou o dedo no braço. O dedo subiu, até o pescoço. Inclinou a cabeça, esmagando o dedo entre o ombro e o queixo. Até gozar em silêncio. Sem ninguém perceber.

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À noite, pelo Messenger, dispensou o namorado.

Opinião por Marcelo Rubens Paiva
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