Arte para melhor entender a paixão
Foto Rui Mendes
Em A Noite Mais Fria do Ano, de Marcelo Rubens Paiva, um autor cria uma peça para investigar a sua relação amorosa
Beth Néspoli
De saída, o elenco da peça A Noite Mais Fria do Ano já desperta interesse: Mário Bortolotto, Hugo Possolo, Paula Cohen e Alex Gruli num mesmo palco deve resultar numa química bem interessante. A estreia para o público será amanhã no Sesc da Avenida Paulista. Antes mesmo de iniciar temporada, essa montagem instigou a curiosidade de dezenas de internautas.
Marcelo Rubens Paiva, que publica suas crônicas aos sábados neste caderno, é autor e também diretor do espetáculo - nessa última tarefa ele conta com a colaboração da experiente Fernanda D?Umbra - e divulgou em seu blog no Estado o diálogo inicial da peça, entre Caio (Bortolotto) e Renato (Gruli), que se dá num quiosque da orla de uma praia qualquer. O primeiro é o chefe do segundo, ou era, pois acaba de ser demitido e será substituído pelo colega mais jovem. O retrato do competitivo mundo masculino começa pela revelação do ex-chefe, a de que teria ?ficado? com a mulher do jovem Renato.
Claro que esse diálogo inicial deixa no ar a dúvida - ficou mesmo ou cinicamente tenta uma vingança cruel? Bem, para saber é preciso ver o espetáculo. A julgar pelo blog, essa espécie de prólogo, de frases curtas, ágil, pleno de intenções veladas - publicado no dia 11 de fevereiro - provoca no espectador o desejo de ouvir mais. A leitura do texto na íntegra faz ter certeza de que a peça não vai decepcionar quem aprecia uma boa carpintaria teatral, cheia de reviravoltas e surpresas. E não se trata daquelas viradas de melodrama, identidades e parentescos revelados. Nada disso. As surpresas vêm de brincadeiras da metalinguagem, a peça dentro da peça, num teatral jogo de espelhos.
O triângulo amoroso inicial, o público logo vai perceber, nada mais é que uma peça de teatro que está sendo criada por Dan (Possolo) um autor apaixonado pela atriz (Paula) que interpreta a mulher do jovem da primeira cena. "Todos os meus amigos sabem que minha dramaturgia reflete o conflito que estou vivendo naquele ano. Desde o meu primeiro texto uso o teatro para investigar meus próprios sentimentos", diz Paiva.
Nesse caso, o tema a ser dissecado é o das relações amorosas - ou aspectos assim chamados como competição, infidelidade, sentimento de posse, ciúmes e traição. Sem dúvida uma temática muito explorada, mas que também mobiliza. "Esses dilemas são uma fonte inesgotável de inspiração." Ele acredita ainda que houve uma revigoração a partir dos anos 60 provocada pela transformação radical no comportamento feminino. "Antes, as mulheres eram reprimidas e submissas aos seus maridos. Hoje elas têm sua profissão e se não sentem mais atração ou estão insatisfeitas elas saem do relacionamento. Antes elas tinham que aceitar os delírios dos maridos, acompanhar seus dilemas profissionais. Atualmente elas têm os delas."
Essa mudança se reflete necessariamente no comportamento masculino. "Mas o homem não mudou. Ele sempre traiu sem culpa, a prostituição feminina é prova disso. Agora a mulher começa a agir de forma semelhante e o homem não sabe como lidar com isso. Eu vejo pelo blog como a traição da mulher ainda provoca reações muito conservadoras."
Paiva conta que conviveu com quatro irmãs, passou por alguns casamentos, e sempre se sentiu fascinado pelo universo feminino. "É muito mais encantador, cheio de camadas. O masculino é mais estéril."
Serviço
A Noite mais Fria do Ano. Sesc Paulista. (60 lug.). 90 min. 14 anos. Avenida Paulista, 119, tel. 3179-3700. Sex., sáb. e dom., 21 h. R$ 20. Até 3/5
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