Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Werner Herzog e Abel Ferrara, dois trágicos... diferentes

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Werner Herzog

PUBLICIDADE

Tanto as preferências temáticas de Werner Herzog quanto as de Abel Ferrara pouco têm de convencionais. Buscam personagens limítrofes, angustiados, obcecados. Neles, não há espaço para a harmonia. Na verdade, nem mesmo insinuam uma busca pelo equilíbrio, pois este é visto mais como uma ilusão dos sentidos do que uma possibilidade humana real.

Dito isso, o cinema de Ferrara parece mais inquieto, do ponto de vista estilístico, que o de Herzog. Isso, em termos cinematográficos, equivale a dizer que a visão de mundo de Ferrara tende a ser mais densa e trágica que a de Herzog. Não há nessa afirmação qualquer juízo de valor. Apenas constatação de que dois autores que, eventualmente, fazem um filme parecido, como Vício Frenético, pensam o mundo de maneira diferente. E assim usam sistemas de expressão também diferentes.

Comparado ao de Ferrara, o estilo de Herzog parece até mais clássico - embora nada tenha de acadêmico. Mas o alemão trabalha menos com rupturas de linguagem do que o norte-americano. Isso fica bastante claro ao comparar de perto os dois filmes que ambos tiraram do policial viciado em drogas.

Herzog, como se disse, é intenso, mas leva o personagem para o lado da paródia, o que dá certo distanciamento à trama, ao mesmo tempo em que atenua o seu impacto. Funciona como uma espécie de amortecedor.

Publicidade

Já Vício Frenético, de Ferrara, anda aos trancos e barrancos. E o espectador é convidado a participar - e a sentir - essa trepidação do terreno. O personagem é entregue a Harvey Keitel, em grande atuação. Nele, tudo é exasperação, intensidade, um desejo de remissão suicida. Provavelmente é movido pela culpa, o que tem a ver com o catolicismo desesperado de Ferrara. Não por acaso, Keitel começa sua descida aos infernos pela investigação de um crime escabroso, o estupro de uma freira. Os signos da religião aviltada estão aí mais do que claros, óbvios até.

Como se Ferrara, que abordaria muitos anos depois o tema religioso em Maria (2005), uma contraposição assumida à picaretagem de Mel Gibson em A Paixão de Cristo. Aliás, em Veneza, ele sugeriu que o filme de Gibson se chamasse A Paixão dos Dólares. Dessa forma, o que ele parece propor é um cristianismo primitivo, da redenção pelo sofrimento, sem a mediação de uma igreja ligada ao poder. Tudo isso empresta ao seu cinema uma consciência trágica. Que não está ausente do cinema de Herzog, porém de uma forma leiga.

Abel Ferrara

(Caderno 2, 15/1/10)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.