Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Voo raso

Ontem fui ver O Voo, de Robert Zemeckis, com Denzel Washington no papel principal. Havia boas recomendações. Algumas se cumpriram, outras não.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Como sabem, o filme não é indicado para quem tem muito medo de avião. Há um acidente, um pouso forçado, muito bem filmado, com direito a vários minutos de pânico no interior do aparelho enquanto o piloto tenta, desesperadamente, manter o bicho, digo a aeronave, sob controle. Em vão. Pousa num campo e, milagrosamente, a maioria das pessoas escapa com vida. Menos seis, dois tripulantes e quatro passageiros, que morrem no acidente. O piloto é Denzel Washington, em boa atuação.

PUBLICIDADE

Ele é visto nas horas anteriores ao voo, acordando de uma noite de sexo, álcool e cocaína, em companhia de uma das aeromoças do seu avião. E aí é que está a questão: Denzel é alcoólatra e cocainômano. Um tipo com o qual você não embarcaria num passeio de carro, quanto mais num jato comercial. Quando o acidente ocorre, ele estava numa ressaca monumental. Que combatia como todos os bêbados do mundo combatem uma ressaca: bebendo mais umas doses "para calibrar".

Bom, foi o porre que causou o acidente? Não. Deram a ele um avião cheio de defeitos. Ele o controlou como o mais destro e experiente dos pilotos. Minimizou os danos como nenhum outro teria feito. É um herói. Porém um herói sob suspeita de ter praticado seu ato de heroísmo completamente bêbado.

Essa é a profunda originalidade do filme. Tivéssemos um acidente provocado por imperícia, devida ao álcool ou drogas, e depois a culpa, a perseguição ao (ir)responsável, etc, e teríamos um filme banal. Não. No caso, o piloto é um herói. Só que é um herói bêbado. E, portanto, caso isso seja provado, pode passar de herói a vilão em um ato. Afinal, alguém precisa ser responsabilizado (inclusive economicamente) pelas mortes ocorridas no acidente.

Até aí o filme caminha de maneira a mais interessante possível. Mas então ocorre algo que de maneira alguma énovidade em Hollywood: os autores da história, o diretor, a produção, etc, passam a ter medo da própria originalidade. Passam a temer pelas consequências das suas próprias ideias. E, então, tudo começa a se perder, na desesperada tentativa de encontrar o meio de recolocar tudo nos eixos. Afinal, não deixaríamos o público com esse dilema sobre a personalidade do personagem de Denzel, não é verdade?

Publicidade

De modo que os desdobramentos finais são extremamente frustrantes para quem esperava de fato algum tratamento original da história. Deve ser muito triste, no fundo, participar de uma cinematografia, como a norte-americana, em que o medo da ousadia torna monótona e tímida a maior parte da produção.

Infelizmente, é o caso deste O Voo, que começa alto e termina raso e rotineiro. Não chega a ser um desastre, mas é um pouso forçado absolutamente desnecessário.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.