Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Vocês Ainda Não Viram Nada

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Pode ser apenas coincidência. Mas será mesmo acaso que grandes mestres do cinema se voltem para o teatro em suas realizações mais recentes? Manoel de Oliveira com O Gebo e a Sombra, os irmãos Taviani com César Deve Morrer e, agora, Alain Resnais com Vocês Ainda não Viram Nada? Talvez a estrutura teatral, sedimentada por mais de dois milênios de tradição, sirva para renovar essa arte jovem, de pouco mais de cem anos, agora empanturrada de tecnologia. Da depuração, vem o frescor, talvez.

PUBLICIDADE

Pelo menos é o que acontece nessa encenação em jogo de espelhos imaginada por Resnais. Temos, sim, um mito, o de Orfeu e Eurídice, reencenado numa peça menor, de Antoine d'Anthac (Denis Podalydès) e que é apresentada a uma série de grandes atores que, alguma vez na vida já encarnaram esses papéis. O que se tem, então, é um jogo de espelhos, em que as falas dos atores, se cruzam, às vezes se superpõem e conversam entre si.

Longe de ser um procedimento apenas intelectual, Resnais põe em marcha um mecanismo que toca o sentimento mais profundo do espectador. Justamente porque confronta o mito antigo, a descida aos infernos em busca da amada a uma reflexão sobre o tempo, esse outro tema tão caro ao cineasta de O Ano Passado em Marienbad. O mito, que encarna a estrutura do amor, vive nas palavras dos velhos atores e atrizes, e revive nas dos jovens, que propõem uma nova leitura. Uma reatualização do mito, encenado uma e outra vez, e sempre capaz de despertar emoção, que vai passando de uma geração a outra.

O filme é inspiradíssimo no plano formal. Resnais se limita, quase todo o tempo, a ambientes fechados. A sala onde os atores se reúnem para assistir em DVD à nova montagem que devem julgar. Uma estação de estrada de ferro, em que algumas cenas se passam e um quarto de hotel. Mas, em momentos cruciais, "ventila" esses espaços fechados com saídas ao exterior. Lá, então, a vida pulsa e se respira com frescor. O filme é pura alegria, celebração da palavra, do amor e da vida.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.