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Opinião|Viagem sem volta

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

RECIFE - A gente pode se perguntar o que faz uma família, aparentemente bastante tranqüila do ponto de vista da sobrevivência material, passar a viver no mar, em um veleiro, numa espécie de viagem contínua. Essa pergunta implícita, que na verdade nunca é respondida de forma direta, é a que mais me intriga nesse O Mundo em Duas Voltas, documentário sobre a família Schürmann dirigido por David Schürmann, um dos filhos do casal de eternos viajantes.

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O documentário foi bastante aplaudido na apresentação aqui em Recife e essa boa recepção se explica. Ele tem aquele inegável pique dos filmes de viagens, com seu repertório de perigos, lugares exóticos, detalhes da vida a bordo, etc. Com o adicional de que, na segunda volta ao mundo, o veleiro dos Schürmann reproduz a histórica viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, português que encontrou uma passagem para o Pacífico através do estreito que recebeu seu nome. A cada etapa, a navegação pioneira de Magalhães é evocada através de desenhos. Funciona bem, e não deixamos nunca de nos espantar diante da bravura, da quase loucura, daqueles aventureiros do século 16, navegando em suas caravelas por águas que apresentam dificuldades até para embarcações modernas.

Enfim, esse seguir sempre em frente, esse navegar infinito de uma família moderna, não deixa de nos colocar algumas dúvidas que vão além das explicações algo simplistas que eles nos apresentam no filme(e devem ser as explicações que dão para si mesmos): "a oportunidade de ficar junto de quem se ama, o aprendizado de que se vive com muito pouco, etc." Durante boa parte da projeção, fiquei pensando, em background (quer dizer como ruído de fundo mental), no magnífico livro de Margueritte Duras, O Marinheiro de Gibraltar e sua tese da busca infinita. Que não termina nunca porque nem existe o objeto dessa busca ou ele já se perdeu no tempo.

Não existe o porto final, embora haja vários portos provisórios durante a travessia. Ou será que, escrevendo algumas linhas sobre um simples filme de viagem, viajei eu próprio?

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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