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Opinião|Veneza 2013 Terry Gilliam e outras distopias

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Terry Gilliam, o ex-Monty Pyton de imaginação diabólica, juntou mais uma pedra ao edifício de distopias proposto pela Mostra de Veneza de 2013. Com The Zero Theorem, Gilliam tenta um retrato, embora expressionista, do mundo virtual em que agora estamos. Ele explica que no seu famoso Brazil (1984) tentava se antecipar a um mundo que pressentia estivesse chegando naquela época. "Agora não: pouco mais faço de, com um tanto de fantasia, registrar um mundo que já está aí", diz.

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E que mundo é esse? Bem o conhecemos, com a maior parte das pessoas conectadas o tempo todo, mensagens publicitárias onipresentes, caos visual e auditivo, relações sociais nulas, um distanciamento cada vez maior da chamada realidade. Claro que nada disso é descrito de maneira naturalista. Vemos essa utopia ao avesso pelos olhos de um gênio da informática, Qohen Leth (Christof Waltz), que mora numa igreja abandonada. Leth, sentindo-se vazio, pretende, nada mais nada menos que descobrir numa equação o sentido último da vida humana.

Quando lhe peguntam se The Zero Theorem é uma espécie de desdobramento de Brazil, Gilliam, com seu humor costumeiro, diz que essa história de trilogias e continuações só serve para o autor se sentir mais inteligente do que realmente é. "Apenas registro o que vejo", reafirma. E o que vê? "Um mundo dominado pela tecnologia e pelas grandes corporações, no qual somos todos escravos pelo medo de perder nossos empregos. Esse é o tema do filme".

Gilliam diz que não é um nerd, mas tampouco detrator da tecnologia. "Acho interessante que a Primavera Árabe tenha acontecido graças à capacidade de mobilização pelas redes sociais. Mas, ao mesmo tempo, acho que as pessoas estão ficando cada vez mais solitárias e alienadas por esse mundo virtual". Ou seja, procura ter uma visão, digamos, dialética dessa questão contemporânea, não a demonizando e menos ainda a adorando num altar como a um deus. Nesse ponto, a metáfora da igreja ocupada pelo protagonista é clara: "A tecnologia de certa forma substituiu a religião no nosso mundo. Tornou-se ela própria uma religião."

Com seu estilo sobrecarregado, cheio de trejeitos e gadgets, The Zero Theorem acaba sendo cansativo. A plateia porém aplaudiu. Em meio a tanta parafernália visual, as ideias de Gilliam parecem simples: a de uma busca espiritual que deve ser travada em plena selva tecnológica do Grande Irmão. Nessa luta, o amor tem um papel central no sentido da desalienação. "No final, o personagem tem um pouco mais de controle sobre a sua realidade", acredita Gilliam. Esse tipo coisa costuma agradar à maior parte das pessoas que, terminada a sessão de cinema, ligam imediatamente seus aparelhinhos eletrônicos e saem para a rua.

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Muito mais crua é a visão de mundo que emerge de Miss Violence, do grego Alexandros Avranas. Temos aqui, num estilo frio e formal, uma festinha de adolescente que termina em tragédia. Sem explicações, uma delas se joga do terraço. Ao longo da história conheceremos as razões, que têm a ver com uma estrutura familiar totalmente perversa. É muito possível que o autor jamais tenha ouvido falar em Nelson Rodrigues, mas, tirando a falta de humor, Miss Violence se parece muito com a peça Os Sete Gatinhos.

Perguntado, Avranas não vê em seu filme uma aproximação metafórica com a crise grega. "Mesmo porque a ideia veio de um caso real acontecido na Alemanha, no qual o pai explorava sexualmente as filhas", diz. Mas, de qualquer forma, consciente ou não, o cinema grego tem, nos últimos anos, buscado uma temática desesperada, pintura de um mundo sem saída e no qual as cartas já estão marcadas. Afinal, foram eles mesmos que inventaram a tragédia, 2500 anos atrás.

O clima baixo astral não melhora quando se passa do velho para o novo continente, como atesta Tom à la Ferme, de Xavier Dolan. Interpretado por ele mesmo, Tom visita essa fazenda onde morava um amigo que morreu. Confronta-se com a mãe do morto e com um irmão violento. Numa estrutura hitchcockiana, Dolan dá vazão aos fetiches de uma sensibilidade aguçada, talvez doentia e sacrificial, cheia de culpa. É um cinema que não vê a luz do sol. Como é a maior parte do que se tem assistido aqui em Veneza. O mal-estar é palpável.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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