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Cinema, cultura & afins

Opinião|Valente, neoliberal e feminista

 

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Uma animação pode ser bem mais que um mero desenho animado e isso acontece em boa medida com Valente, da Pixar. É um filme com potencial para divertir crianças e tocar os adultos em algum ponto de sua memória infantil. Assim acontece, aliás, com os contos de fadas, menos ingênuos do que parecem à primeira vista.

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Inútil dizer que o visual é caprichado - essa é uma das características da empresa, estilosa em movimentos de câmera, texturas e ângulos de visão. Sem ser impressionante, tudo funciona, e de maneira pouco exibicionista. Pelo contrário, a tecnologia serve à trama e não vice-versa, como às vezes acontece numa época de fascínio tecnocrático, em que computadores podem se transformar em deuses ex-machina de tramas mal elaboradas.

Valente busca referência nos mitos (a memória da humanidade, como se diz no próprio filme) e na questão do poder, da relação entre pais e filhos e dos casamentos de conveniência. Merida é filha da rainha Elinor e do rei Fergus, que perdeu uma perna num combate com um urso. A garota é criada como menino, gosta de aventuras e de se exercitar no arco e flecha, mas chega a hora de se casar. Seus pretendentes são filhos dos Lordes, as diferentes facções em que se divide o reino. Casá-la com um deles é obra de engenharia política para manter o reino unido. Dito assim, já se vê, Valente poderia ser o enredo de um drama clássico.

Mas essas ideias de base são diluídas numa trama preocupada em dialogar com o público infantil. Na história, há também a presença de uma bruxa, capaz de transformar seres humanos em animais. Um desses feitiços será responsável por boa parte da trama e dirá respeito à relação entre a menina e sua mãe. Rivalidade que não deixa de lembrar a das adolescentes de hoje disputando espaço com mães ainda muito jovens e pouco dispostas a envelhecer.

Claro, a referência a valores de hoje numa história de cunho medieval não deixa de ser um anacronismo. Mas esse recurso, além de tornar contemporânea a história antiga, é responsável por momentos de graça, como no excêntrico call center acionado durante a ausência da bruxa.

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Não poderia também estar ausente a ideologia liberal, da liberdade individual e da autodeterminação, desconhecidas dos valores medievais em que a história se apoia. Mas obrigatória numa história reciclada para o ideário contemporâneo, espalhado pelo mundo de forma pretensamente consensual. Isso e mais o fato de que a diretora e heroína sejam mulheres, pela primeira vez na Pixar, implica o aggiornamento completo de velhas ideias, e agora sob uma faceta neofeminista.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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