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Opinião|Uma Rebelde sem Causa no último Roteiro de Truffaut

 Outro dia morreu Claude Miller. Fui ao arquivo e exumei alguns textos antigos que escrevi sobre ele. Deem uma olhada na data lá embaixo. 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

Ladra e Sedutora (La Petite Voleuse) chega a São Paulo com o charme de ser o último argumento original assinado por François Truffaut. Dirigido por Charles Miller, o filme conta a história de Janine (Charlotte Gainsbourg), uma jovem cleptomaníaca que vive na campanha francesa no final dos anos 40. Janine foi abandonada pela mãe e mora com os tios. Um verdadeiro fardo, que se torna mais pesado pelo hábito da menina de se apropriar dos bens do alheio.

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 Poderia ser um drama psicológico, mas não é. O espectador é levado, num primeiro momento, a supor que a menina furta para suprir sua carência afetiva, ou algum clichê do gênero. A arte de Truffaut, como autor do argumento, e de Miller, como diretor, estaá em superar esse tipo de banalidade. Janine não é um caso psicológico nem social: o ser humano não se acomoda tão facilmente a esses compartimentos estanques. Janine é uma revoltada, no sentido preciso em que o termo designa os heróis sem causa. Furtar é só uma vertente da sua personalidade. Seduzir, como coloca em evidência o título em português, apenas outra.

No final das contas, Janine é uma empreendedora. Faz besteira sobre besteira, mas tem a coragem de assumir a responsabilidade pelo próprio destino. Por trás de sua vida errada e seu amadurecimento, o que aparece são as duras condições das classes populares na reconstrução do pós-guerra francês. A vida é cruel com Janine. Ela paga na mesma moeda. Ladra e Sedutora evita a visão unidimensional do mundo. É o que se pode esperar do melhor cinema europeu - servir de antídoto à obviedade servida fartamente por Hollywood.

 

 

(Caderno 2, 18/10/1991)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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