Ruth de Souza queixava-se em entrevistas de que às atrizes negras estavam reservados sempre papéis subalternos. O racismo estrutural brasileiro comandava essa escolha - as brancas eram as sinhazinhas, patroas, mulheres de sucesso, as negras eram escravas, empregadas domésticas ou mulheres da vida. Ela viveu sendo vítima e driblando esses clichês. Com seu talento, construiu uma carreira completa - no teatro, no cinema e na TV. Tornou-se uma diva da nossa dramaturgia, uma grande dama do cinema.
Pouco a segui em teatro ou TV. No entanto, alguns momentos de Ruth fazem parte do meu imaginário cinematográfico. O primeiro como Judith, a amante do bandido Tião Medonho no clássico policial brasileiro Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias. O segundo em Filhas do Vento, como Maria Aparecida, contracenando com Léa Garcia e grande elenco, e levando para casa um Kikito no Festival de Gramado. Aliás, ela trabalhou com Joel Zito em dois outros filmes do cineasta, Eu, Mulher Negra (1994) e A Negação do Brasil (2000).
Ruth teve uma carreira extensa no cinema, que começou em 1948, com passagens por filmes como Terra é Sempre Terra, Ravina, Gimba, A Morte Comanda o Cangaço, Jubiabá e Um Copo de Cólera, entre outros. Trazia para os papéis, mesmo quando pequenos, toda uma técnica refinada, aprendida lá atrás quando foi ligada ao Teatro Experimental do Negro, de Abdias Nascimento.
A atriz nos deixou hoje, aos 98 anos. Ficará para sempre, impressa na memória de celuloide que o cinema nos lega.