Em Adèle H., a personagem é tirada do mundo real. Trata-se da filha de Victor Hugo, que segue seu amado, um oficial inglês, a Halifax, Canadá, e depois a Barbados, e tenta fazer com que se case com ela. Adèle é interpretada por uma Isabelle Adjani novinha, deslumbrante em sua juventude e já dona daquela intensidade expressiva que a caracterizaria na tela em seus trabalhos seguintes.
Essa Adèle H. era uma obcecada, como devem ser idealmente os apaixonados. Sabe muito bem que o tenente Pinson (Bruce Robinson) não vale um guinéu, mas não pode evitar que ele a explore. Pinson toma dinheiro de Adèle e gasta-o no jogo e com outras mulheres. A vida de Adèle é um calvário, que ela tenta amenizar escrevendo obsessivamente cartas e um diário, que seria publicado após a sua morte. Escreve também ao pai famoso, pedindo-lhe dinheiro e consentimento para se casar com o tenente.
Na verdade, esses personagens, incluindo aí Pinson, entram na história em caráter secundário. O filme todo é centrado na figura de Adèle e em sua paixão sem esperança, o fogo central do filme é seu tormento de alma. Como a alma tem de se traduzida em imagem, cada minúcia do rosto de Adjani é explorado pela câmera de Truffaut. As cores esculpem-se em tons fortes, mas clássicos, pela mão do cubano Nestor Almendros, um dos mestres da fotografia. Da exuberância à decadência, Adèle é mostrada em seu calvário amoroso em imagens que parecem pinturas de tão puras e belas.
Essa é uma das vertentes da trajetória de Truffaut como cineasta da relação amorosa: contemplar as gradações da paixão humana, em seus matizes. Do tom mais para o divertido que dramático na série Antoine Doinel (vivida por seu alter ego desde a adolescência Jean-Pierre Léaud) até o amor incontido como o de Fanny Ardant por Gérard Depardieu em A Mulher do Lado, nenhum dos graus da escala é estranho a Truffaut.
François Truffaut sabia o que era sofrer por amor, pois ele próprio era volúvel, intenso e se apaixonava seguidamente por suas atrizes. Quando recusado, sofria a ponto de ter de se internar em hospitais. Com Isabelle Adjani não foi diferente. Caiu de amores pela jovenzinha recém-saída da Comédie Française. Passou o diabo e combateu a dor elegendo-a sua musa no sofrimento amoroso incomparável de Adèle H. Encontrou nessa história verdadeira exemplo de como o sofrimento amoroso pode levar à decadência e, em seguida, à loucura.