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Opinião|Tropicália abre o É Tudo Verdade

Um documentário musical brasileiro dá partida num evento que traz mais de 80 filmes, de 27 países, sendo 25 em estreia mundial. Trata-se de Tropicália, de Marcelo Machado que será exibido hoje para convidados do 17.º É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários. Em sua versão carioca, o É Tudo Verdade também vai de musical. Só que lá o tom muda um pouco com Jorge Mautner - O Filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt, que inicia o programa. O festival se desenvolve paralelamente nas duas cidades, de hoje (em São Paulo) e amanhã (no Rio) até dia 1.º de abril. Posteriormente, haverá itinerância da mostra em Brasília e Belo Horizonte.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Há muito que descobrir ao longo desses dias de festival. E, claro, entre as surpresas que sempre existem, estão os programas incontornáveis, as obras dos mestres. Como são os casos do novo filme de Werner Herzog, Into the Abyss, sobre a pena de morte, e o do norte-americano Frederick Wiseman, Crazy Horse, sobre o cabaré parisiense.

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Também não dá para perder a apresentação do clássico dos clássicos do documentário nacional, Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, na cópia por fim restaurada pela Cinemateca Brasileira. A reapresentação do filme será acompanhada de dois debates e de uma mostra com sete títulos do diretor, chamada Coutinho - A Caminho do Cabra. Pode-se prever que esse evento, com a presença do cineasta e debatedores, será um momento histórico deste festival.

O É Tudo Verdade não poderia começar melhor em termos de história. Tropicália é um filme empolgante, e, à melhor maneira dos grandes documentários, deixa um resíduo de reflexão considerável a ser assimilado pelo espectador. Daí ser muito restritiva a definição de "documentário musical" aplicada ao filme de Marcelo Machado. Sem deixar de sê-lo, Tropicália vai além.

Servindo-se de uma pesquisa de imagens primorosa, coloca o movimento tropicalista no interior de contexto histórico muito bem definido - e fora do qual ele talvez não fizesse tanto sentido.

Contexto definido e datado: o próprio Caetano Veloso, em imagens à TV portuguesa, entrevistado por Raul Solnado em 1969, diz que naquele tempo o tropicalismo já era coisa do passado. Fora, então, uma breve e luminosa primavera, cozinhada em 1967 e que desandara pouco após o AI-5, texto autoritário que colocara toda a criatividade nacional em estado de sítio. Na época da entrevista a Solnado, Caetano e Gil estavam no exílio, a caminho de Londres, onde ficariam até que houvesse clima para voltar.

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Podemos ter lido livros e mais livros sobre a história do movimento, conhecermos as músicas de cor e sabermos as inúmeras teorias sobre sua importância na linha evolutiva da MPB. Não importa. Alguma coisa diferente o filme nos traz, e o faz pela força das imagens e dos sons. Pela emoção. Pela maneira como é pensada toda essa lisérgica ciranda entre pessoas, um clima de época efervescente, posturas políticas diversas, temperamentos opostos - tudo isso jogado no caldeirão de um clima febril, em que tanto a redenção como o abismo pareciam a um passo.

O filme faz viajar no tempo aqueles que o viveram e produz uma espécie de nostalgia do não vivido entre os mais jovens.

(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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