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Opinião|Tre Piani, uma obra de mestre assinada por Nanni Moretti

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Por uma série de motivos (que não vêm ao caso aqui) deixei de escrever na estreia sobre Tre Piani, o novo filme de Nanni Moretti. Queria apenas deixar esta nota, enquanto ele ainda está em cartaz, e destacar que é um dos mais belos lançamentos do ano. 

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É quase inútil relembrar a grandeza da carreira de Moretti, da crítica irônica de Palombella Rossa e Caro Diário aos emocionalmente intensos O Quarto do Filho e Minha Mãe - estes dois filmes de maturidade, que trabalham com a ideia da morte. 

De certa forma, não deixa de ser o caso neste Tre Piani, cujo título em italiano foi preservado no lançamento brasileiro. Poderia ser traduzido como Três Andares. Remete a famílias que moram no mesmo condomínio em Roma e cujas histórias se entrelaçam ao longo do filme. 

O início é impactante. Uma mulher grávida sai à rua  sozinha para dar à luz, pois a bolsa se rompeu. Um carro atravessa a alameda e atropela uma transeunte antes de invadir o prédio e instalar-se dentro de uma moradia do edifício. A grávida, Monica (Alba Rohrwacher) testemunha tudo isso. 

O jovem que dirige o carro está visivelmente embriagado. Seus pais são o juiz Vittorio (o próprio Nanni Moretti) e Dora (Margherita Buy), também magistrada. Ela quer ajudar o filho. Ele, inflexível (e justo) não move uma palha. Acha que o filho é culpado, errou, tem de pagar pelo que fez. 

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Na outra família, Lucio, (Riccardo Scamarcio) tem uma filha adolescente que frequenta a casa da vizinhança, pois os pais estão sempre ocupados em outras coisas. A menina chama o vizinho de avô. Mas um incidente no parque basta para despertar em Lucio a suspeita de que a filha pode ter sido abusada pelo vizinho idoso. Essa dúvida irá persegui-lo durante anos. 

A outra das famílias é a de Dora (Alba), a mulher sempre só porque o marido vive viajando e que tem na filha a única companhia. A solidão faz com que Dora imagine muitas coisas, o que a deixa ainda mais angustiada porque pensa que pode ter herdado da mãe a propensão a problemas mentais. 

São histórias de desencontro, de angústia com a vida cotidiana, muitas vezes de desesperança, temor com o presente, com pessoas por volta assaltadas por recordações do passado e com muito medo do futuro. É a nossa condição atual, em que as velhas referências estouraram o prazo de validade e as novas ainda não chegaram. O que provoca um vazio, preenchido por boa parte da humanidade pela entrega a fanatismos diversos, da religião à política. Nisso estamos.  

Para os lúcidos, o que resta? Tratar de viver, como dizia Tchekov no final de Tio Vânia, e segurar a barra da angústia? Talvez.  

Tre Piani é um filme de maturidade e desencanto. Moretti já foi um cineasta mais diretamente político, mas parece, como boa parte das pessoas, desencantado demais com os rumos da política para continuar se dedicando ao tema. Tem preferido voltar seu olhar aos dramas pessoais. E, neles, retratar a falta de saída mas também um rasgo de esperança que justifique nossa passagem pela Terra. O tal do "raggio di sole" que os produtores de Fellini exigiam no desfecho de seus filmes. Raio de sol que ele se negava a dar-lhes. 

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Dito isso, Tre Piani tem, em muitos momentos, quase a estrutura de um melodrama. E daí? O estilo de Moretti (tudo está na mise-en-scène), seu controle preciso de tempos e intensidades, evita que o filme caia no emocionalismo fácil. Pelo contrário, há emoção, e esta não é chantagem sentimental ao espectador. Um certo sentido de humor ajunta certo distanciamento à trama. Podemos assisti-lo com inquietação pelo destino dos personagens, outras vezes com o coração apertado e, outras, com um certo alívio. É filme de mestre e ponto.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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