Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Todo poder ao polvo

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Vi ontem, na Netflix, o interessante documentário Professor Polvo, direção de Pippa Ehrlich e James Reed. 

PUBLICIDADE

A narração, em off, é do cinegrafista e mergulhador Craig Foster que, ao longo de um ano, tenta se aproximar e ganhar a confiança de um polvo nas águas agitadas e cristalinas do litoral da África do Sul. 

O visual é deslumbrante e as filmagens submarinas são realizadas com perfeição. O filme consegue nos passar a sensação de deslumbramento que o próprio Craig experimenta ao entrar em contato com esse mundo encantado da natureza. 

Ficamos sabendo, por ele mesmo, que o narrador sofreu uma grande crise em sua vida adulta. Não encontrou melhor solução para ela senão retornar ao canto de litoral onde cresceu. De fato, é um pedaço de paraíso. Daí à prática do mergulho (no pulmão, sem tubo de oxigênio) e a sensação de misturar-se à natureza e, então, domar a crise. Há algo nesse desejo de fusão, com o mínimo de apetrechos a separá-lo do contato direto com a natureza. Um fundo metafísico, digamos, mais deduzido por nós que vemos o filme, do que enunciado de forma explícita. 

Por que, entre todos os seres marinhos, ele se aproxima e se encanta pelo molusco em questão é um mistério. Craig vê no polvo (que sempre chama de "she", pois se trata de uma fêmea) beleza e inteligência inesperadas. Inclusive senso estratégico, na maneira como caça outros bichos e como evita sucumbir entre as presas de um tubarão que ronda a vizinhança. 

Publicidade

Há toda uma narrativa aí. Não apenas da aproximação entre homem e polvo, mas da natureza com a luta pela sobrevivência, e do próprio ciclo da vida...e da morte. 

A partir disso, fica-se com a impressão de que o filme seja muito "construído", como se diz. Não quer dizer que seja falso, ou qualquer coisa do tipo. Há muito já se deixou de crer que o documentário seja um registro direto do real. Enfim, essa é uma vasta discussão, pois, se não é registro do real, e se a encenação pode ser usada em sua narrativa, nem por isso o documentário deixa de ter relação com algo que se pode chamar de "verdade". Pelo menos, me parece, é sua imposição ética. A não ser - também - que se evoquem os chamados "falsos documentários" que, no entanto, pela mentira, sempre almejam a alguma verdade. Não disse que era polêmico? 

Em todo caso, o relacionamento do mergulhador com a senhora Polvo não deixa de ter seus atrativos. E sua aura de mistério. Está na shortlist dos indicados ao Oscar (os finalistas saem na segunda-feira). E entre concorrentes a melhor documentário no Bafta, o prêmio do cinema britânico. 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.