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Opinião|Tiradentes: entre o popular e o experimental

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Matéria minha no Caderno 2 de balanço do Festival de Tiradentes:

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A recém-encerrada 10ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes equilibrou-se entre atrações acessíveis ao público e outras situadas no extremo oposto do espectro cinematográfico - obras de risco, de estética inovadora, de assimilação mais difícil. A mostra não tem júri oficial - distribui apenas prêmios do júri popular. É ele, então, que fica com a última palavra e elegeu como melhor longa-metragem a cinebiografia Noel Rosa - o Poeta da Vila, de Ricardo van Steen, o curta Vida Maria, de Márcio Ramos, e o vídeo Mauro Shampoo - Jogador, Cabeleireiro e Homem, de Paulo Henrique Fontenelle e Leonardo Cunha Lima. São filmes narrativos, situados no extremo 'fácil' do espectro.

Por outro lado, pela tela do Cine Tenda, na cidade histórica de Minas Gerais, passaram títulos, digamos, árduos como O Quadrado de Joana, de Tiago Mata Machado, O Céu Está Azul com Nuvens Vermelhas, de Dellani Lima, Conceição - Autor Bom É Autor Morto, direção coletiva de André Sampaio, Cynthia Sims, Daniel Caetano, Guilherme Sarmiento e Samantha Ribeiro; e Acidente, de Cao Guimarães e Pablo Lobato. Foram exibidos em Tiradentes também alguns dos mais badalados filmes brasileiros da safra recente e que estarão no circuito em breve: Antonia, de Tata Amaral, Proibido Proibir, de Jorge Durán, O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia, Querô, de Carlos Cortez, etc. Enfim, uma amostra da produção brasileira recente que vai dos filmes 'narrativos' de qualidade aos experimentais.

Com esse modelo adotado, o festival continua a fazer grande sucesso de público. De acordo com números divulgados pela coordenação, 40 mil pessoas participaram do evento, no qual foram exibidos 219 títulos entre longas-metragens, curtas e vídeos. A idéia dominante tem sido transformar o festival numa grande festa do cinema, composta de programação infantil, oficinas, seminários e debates.

Em relação aos últimos anos, o festival cresceu, o número de filmes aumentou e os problemas logísticos idem. Por causa das chuvas, muitas vezes a programação que deveria ser realizada na praça teve de ser transferida para a tenda, encavalando filmes, com sessões terminando de madrugada e público adormecido. São desconfortos do crescimento e todo evento tem de enfrentar decisões na hora de definir a sua dimensão justa. Do jeito que está, a fruição dos filmes foi prejudicada.

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Os seminários e debates, bem como a escolha dos filmes participantes, refletem a presença da nova curadoria de Tiradentes, a cargo de Cléber Eduardo e Eduardo Valente na área de cinema. São críticos da nova geração e procuraram imprimir ao festival suas concepções de cinema e vida, renovando com a programação de filmes alternativos e incrementando a presença dos críticos que se contam entre suas afinidades eletivas, em especial a geração surgida nos últimos anos em sites e revistas eletrônicas. São eles que dão as cartas hoje em Tiradentes.

Na curadoria dos filmes o efeito foi a presença maior de obras de risco. É um fato importante, mas deve-se ressalvar que esse segmento específico da seleção foi muito irregular. Concentrou-se basicamente na produção de Minas Gerais, o que pode ter sido uma concessão política do evento. De qualquer forma, Acidente (que já fora visto em versão mais curta como um Doc-TV) é um documentário estruturado e instigante. O mesmo não se pode dizer de O Céu Está Azul com Nuvens Vermelhas, de Dellani Lima, cujo formalismo não esconde a concepção infantil. E O Quadrado de Joana, de Tiago Mata Machado, que mescla algumas seqüências de grande beleza com outras pouco notáveis, não esconde a sua precariedade. Embora o diretor tenha tentado transformar essa mesma precariedade numa suposta vantagem de linguagem.

Nos seminários, procurou-se maior foco em questões temáticas importantes para o cinema em geral e brasileiro em particular. Uma análise de conjunto é impossível para quem só participou da parte final do evento. Pela amostragem, no entanto, deu para perceber que alguns debates continuam a patinar na mesmice, enquanto outros se destacam pela troca generosa de idéias (como aquele com o diretor de Proibido Proibir, Jorge Durán). A cota de tédio e pedantismo foi preenchida pelo debate com o diretor de O Quadrado de Joana, Tiago Mata Machado, e a de emoção pelo encontro com participantes de Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton.

Neste, houve o encontro histórico dos frades dominicanos que participaram da luta contra a ditadura militar, foram presos e torturados, como Frei Betto, autor do livro que dá origem ao filme, e freis Oswaldo e Fernando. O público entupiu o auditório. Havia gente espirrando pelo ladrão e a comoção tomou conta da sala. No entanto, viram-se poucos críticos de cinema no recinto. A maioria provavelmente estava ocupada demais e não iria gastar seu tempo com aquela gente que, afinal, tinha feito pouca coisa de importante na existência como, por exemplo, colocar a vida em risco para interferir na história do Brasil. O encerramento do festival, com a exibição de Batismo de Sangue, foi uma apoteose de público, e também recebida com indiferença pela maior parte da crítica.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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